Bolsonaro rasga a fantasia
Bolsonaro ingressou no PL, mas poderia ter ingressado em qualquer outra legenda. Consistência partidária nunca foi o forte do presidente
O presidente Jair Bolsonaro oficializou sua filiação ao PL, legenda que compõe o Centrão e é presidida pelo notório ex-deputado Valdemar Costa Neto, condenado pelo Supremo a 7 anos e 10 meses de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito do escândalo do mensalão. Em discurso após o ato que selou seu ingresso no partido comandado por um corrupto condenado, Bolsonaro afirmou estar “em casa”. De fato, havia muitas razões para o presidente se sentir bem acolhido (ver editorial Bolsonaro em casa, publicado em 12/11/2021).
Com a filiação ao PL, Bolsonaro traiu de papel passado a confiança dos eleitores que acreditaram naquela espécie de cruzada “antipolítica”, “antissistema” ou outro engodo qualquer, que foi a tônica de sua campanha eleitoral em 2018. Foi justamente essa falácia moralizadora o que mais arrebanhou votos para Bolsonaro. Suas propostas de governo seguramente não foram, pois nunca existiram.
É compreensível, portanto, que muitos eleitores de Bolsonaro, quando confrontados com a real natureza indômita do “mito”, sintam cada vez mais o peso do arrependimento. As sondagens de intenção de voto e avaliação do governo realizadas por diferentes institutos de pesquisa revelam que a confiança no presidente da República e sua popularidade têm caído ao longo do mandato a níveis que, hoje, se aproximam do ponto de irreversibilidade, de acordo com estatísticos.
Ainda estão vivas na memória dos brasileiros as pesadas críticas que o então candidato Jair Bolsonaro fazia ao que chamou de “velha política”, um termo genérico que foi malandramente difundido durante a campanha presidencial passada para designar a associação entre atividade política e roubalheira, sendo o Centrão, no discurso de Bolsonaro e de seus apoiadores, a materialização desta liga do mal. Presente à cerimônia organizada pelo PL no dia 30 passado, o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, estava tão à vontade que nem por um momento lembrou aquele Heleno que, há três anos, deixara sutilezas de lado ao associar o Centrão, que hoje manda no seu chefe e governa o País de facto, a um valhacouto de ladrões.
Outro que parece bastante confortável em torcer o idioma e as suas próprias balizas morais é o senador Flávio Bolsonaro, que seguiu o pai e também se filiou ao PL, a terceira legenda do parlamentar em apenas seis meses. “Ainda querem nos fazer crer que um ex-presidiário, preso por roubar o povo brasileiro, estará à frente (da campanha pela eleição presidencial)”, discursou o senador, sem corar a face por dizer o que disse ao lado de Valdemar Costa Neto, ele também um ex-presidiário.
Bolsonaro se filiou ao PL porque foi a legenda que aceitou recebê-lo – não de forma desinteressada, que fique claro. A rigor, o presidente poderia ter ingressado em qualquer outro partido, haja vista que consistência partidária nunca foi o seu forte. Ao longo de uma carreira política marcada pela passagem por nada menos que nove siglas, Bolsonaro sempre deixou claro que enxerga o ingresso em partidos políticos como mera formalidade legal para, de eleição em eleição, manter uma fonte de renda estável. Não vê os partidos como organizações da sociedade civil para a defesa de ideias e projetos de desenvolvimento do País. Para o presidente, tanto faz a sigla pela qual concorrerá à reeleição. Seu partido sempre foi e será o “Partido da Família Bolsonaro”.
Para o PL, o ingresso de Bolsonaro em seus quadros não determinará o futuro da legenda. Talvez o partido possa aumentar a sua base de parlamentares eleitos em 2022 e, com isso, o volume de recursos que recebe dos fundos partidário e eleitoral. O fato é que o PL continuará sendo o que sempre foi: um partido da situação, jamais da oposição. Seja qual for o resultado da eleição do ano que vem, uma coisa é certa: o PL não perderá. O partido estará na base do presidente eleito, seja quem for. Portanto, não hesitará em fazer campanha até para opositores de seu candidato oficial à reeleição, se isso for necessário para acomodar os interesses de Costa Neto, a grande estrela daquele festim de falsidades havido em Brasília.