Há expectativa de que ex-AGU seja coerente a sinais de ponderação, mas primeira entrevista causa receio
A expectativa em torno da postura de Mendonça é maior nos mundos político e jurídico não apenas por ser um novo integrante do Supremo, mas pelo fato de ele poder representar o voto de desempate em matérias importantes em um tribunal rachado.
Em outra frente, no Palácio do Planalto, a expectativa é que Mendonça ajude a melhorar o diálogo do governo com o Supremo.
Durante a sabatina, congressistas e integrantes da corte comemoram o que entenderam ser gestos de ponderação em relação ao perfil “terrivelmente evangélico” que o levou a ser escolhido pelo presidente.
Aos senadores, porém, ele se autodenominou como garantista, ala do direito que é crítica da Lava Jato, e prometeu que não levará religião em consideração nos julgamentos.
A primeira entrevista depois da aprovação, contudo, causou receio no STF e foi interpretada como uma mudança no tom em relação às afirmações que vinha fazendo quando ainda precisava do aval do Senado.
“É um passo para um homem, um salto para os evangélicos”, disse ele, após afirmar que deu “glória a Deus” pela vitória na votação.
Outro temor da ala garantista do Supremo é que o presidente da corte, Luiz Fux, aproveite a chegada de Mendonça para ressuscitar pautas ligadas à operação de combate à corrupção.
Os julgamentos sobre o tema costumam acabar com placar apertado de 6 a 5. A chegada do ex-AGU para a vaga aberta por Marco Aurélio Mello, que se aposentou, pode consolidar uma maioria favorável à operação.
Apesar disso, a aposta de ministros é que ele não fará uma defesa incisiva desses casos logo na chegada à corte.
Isso porque, apesar de não depender mais do Congresso ou dos futuros colegas de STF, Mendonça precisará manter uma mínima coerência com o que disse no período em que ainda buscava apoios para entrar na corte.
Um de seus principais apoiadores, por exemplo, foi o ministro Dias Toffoli, que integra a corrente garantista no Supremo —com uma visão de mais respaldo às alegações de defesa dos réus.
O temor, no entanto, existe porque Mendonça já defendeu abertamente pautas lava-jatistas. O futuro ministro já se posicionou, por exemplo, a favor da possibilidade de prisão após segunda instância e um eventual voto dele nesse sentido caso o assunto volte à pauta poderia reverter a atual jurisprudência.
O cenário é similar em relação ao entendimento fixado pela corte que retira da Justiça Federal e leva à Justiça Eleitoral a competência para analisar crimes que tenham relação com campanhas políticas.
Somada à posição histórica de Mendonça está o atual momento de Fux. Um dos principais defensores da Lava Jato no Supremo, ele tem acumulado derrotas na corte na área criminal, e a posse de Mendonça pode representar uma mudança no perfil do tribunal.
A felicidade do presidente do STF após Mendonça passar pelo Senado ficou clara na nota emitida logo após a aprovação. “Manifesto satisfação ímpar pela aprovação de André Mendonça porque sei dos seus méritos para ocupar uma cadeira no STF”, afirmou.
“Além disso, em função da atuação na Advocacia-Geral da União, domina os temas e procedimentos da Suprema Corte, que volta a ficar mais forte com sua composição completa. Pretendo dar posse ao novo ministro ainda neste ano”, disse Fux.
No Congresso, a expectativa é parecida. O presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), usou o histórico lava-jatista de Mendonça para tentar coletar votos contra o ex-ministro da Justiça.
Daí a necessidade de ele ter se mostrado equilibrado e ponderado na sabatina e nas conversas individuais que teve com senadores.
Fabiano Contarato (Rede-ES), primeiro senador declaradamente gay da história da Casa, disse que Mendonça possivelmente imporá entraves à agenda progressista no Supremo, com uma postura conservadora, o que pode oxigenar o STF.
“Isso, que parece um fato consumado, seria até tolerável, para oxigenar o tribunal com visões de mundo diversas. Resta saber, porém, se além disso também se portará como os outros ‘10% de Bolsonaro’ no tribunal, como disse o presidente um dia desses. Isso seria lamentável”, disse.
O mandatário afirmou, recentemente, que tem 10% de si na corte, com o ministro Kassio Nunes Marques, indicado por ele no ano passado.
Já o senador Nelsinho Trad (PSD-MS), parlamentar considerado de centro, ainda que próximo ao governo, disse acreditar que Mendonça se pautará na corte “pela defesa da Constituição”.
Para auxiliares palacianos, a ida de Mendonça para o Supremo pode representar uma forma de melhorar o diálogo com a corte.
Quando ainda atuava no governo Bolsonaro, tanto como AGU quanto como ministro da Justiça, Mendonça trabalhava nos bastidores como interlocutor do presidente —era um dos auxiliares com melhor trânsito no tribunal.
Segundo relatos, o presidente teria comemorado a aprovação do ministro, alguém considerado por ele como decente, para pôr ordem no Supremo.
Mesmo que nos últimos meses tenha havido um descanso na crise institucional, a relação de Bolsonaro com os ministros, em especial aqueles que ajudaram Mendonça na indicação, é conhecidamente ruim.
“Alguns extrapolam aqui na região, na Praça dos Três Poderes. Mas essa pessoa vai ser enquadrada, vai se enquadrando, vai vendo que a maioria somos nós. Nós aqui, que temos votos, em especial, é que devemos conduzir o destino da nossa nação”, disse, durante a cerimônia.
Ainda que o governo não tenha atuado de forma intensa para que a sabatina de Mendonça fosse pautada, ministros e auxiliares de Bolsonaro foram às redes sociais comemorar a aprovação.
Fábio Faria (Comunicações) disse esperar que o ex-colega de Esplanada “seja um bom guardião da Constituição”. Já o ministro da Secretaria-Geral, Luiz Eduardo Ramos, disse que “Deus não falha nunca”.
Ciro Nogueira, da Casa Civil, afirmou que o Brasil ganha muito com a confirmação do nome do ex-AGU para a vaga, que ocorreu após “longa sabatina que atestou o preparo e a capacidade do novo ministro”.