A tragédia da educação brasileira chega ao nível do surreal

By | 07/12/2021 8:28 am

Sobra dinheiro, falta competência

Articulação para evitar punição a prefeitos que descumpriram repasse mínimo de recursos para educação durante a pandemia não pode prosperar

O fracasso da educação se expressa por meio de muitos indicadores, entre os quais o aumento da evasão escolar, de 171,1% entre 2019 e 2021. Em meio à pandemia de covid-19, os estudantes ficaram mais de um ano sem aulas presenciais e o ensino remoto, nos raros locais em que chegou, não foi suficiente para o aprendizado, principalmente dos mais jovens e daqueles com desempenho mais baixo. É escandaloso, portanto, o fato de que 81% dos municípios não aplicaram os recursos mínimos – 25% das receitas – destinados obrigatoriamente à educação neste ano. Reportagem do Estadão revela que oito em cada dez prefeitos podem ser enquadrados por improbidade administrativa e ficarem inelegíveis.

É vergonhoso o argumento utilizado pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP) para justificar o fato de que R$ 15 bilhões deixaram de ser aplicados nos últimos dois anos na educação básica, que alcança crianças e adolescentes: não havia no que investir, já que as escolas ficaram fechadas praticamente o ano todo, o que reduziu os gastos com limpeza, transporte e materiais, e não era permitido conceder reajustes salariais nem realizar novas contratações em razão de restrições impostas por lei durante a crise sanitária.

A tragédia da educação brasileira chega ao nível do surreal: não faltam, sobram bilhões para investir em uma área em que a qualidade está muito aquém do aceitável. Na última edição da maior avaliação mundial de estudantes, o Pisa, o Brasil ocupou a 66.ª posição entre 79 participantes na prova de ciências; em matemática, ficou com o 70.º lugar; e em leitura, em 57.º. Países bem colocados no Pisa são justamente os que fecharam escolas por menos tempo, como Alemanha, Reino Unido, Dinamarca, Suécia, Cingapura e França.

É de perguntar em que mundo viveram os gestores municipais nos últimos dois anos, dado que não pensaram em investir esse dinheiro em tecnologia. Não foram informados de que apenas 32% das escolas municipais organizaram aulas ao vivo? Não souberam que somente 19,7% dos municípios ofereceram a seus professores computador, tablet ou smartphone? Não perceberam a urgência de reformas para adaptar a reabertura das instituições aos protocolos sanitários? Todos os dados são de um levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), realizado no início deste ano.

Não restam dúvidas de que um plano nacional para o enfrentamento do novo coronavírus poderia ter contribuído para conter esse desastre, uma tarefa da qual o Ministério da Educação abdicou. Como se sabe, a prioridade do ministro Milton Ribeiro passa por excluir questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para agradar ao presidente Jair Bolsonaro e liberar o ensino domiciliar, demanda de uma parte ínfima dos evangélicos.

Se não houve liderança para o enfrentamento das mazelas da educação ao longo da pandemia, não faltou articulação política para evitar a necessária responsabilização. O prefeito de Aracaju e presidente da FNP, Edvaldo Nogueira Filho, defende a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para impedir punições civis, administrativas e criminais aos gestores locais que não cumpriram o repasse mínimo em 2020 e 2021. Já aprovado no Senado, o texto deve ser apreciado na Câmara ainda neste mês, a tempo de ser promulgado antes do fim deste ano.

Este jornal é favorável à desvinculação das receitas dos orçamentos públicos. Cada ente federativo deve ter liberdade para definir a melhor forma de alocar recursos escassos. É provável que alguns Estados e municípios precisem de mais do que 25% de suas receitas para atender a educação, enquanto para outros 10% seriam suficientes. No entanto, para que a desvinculação resulte em racionalidade econômica, é preciso maturidade administrativa, coisa que a esmagadora maioria dos prefeitos não parece ter, a julgar pelo desastre da educação a despeito da profusão de recursos. Como lição, a lei deve ser cumprida, e os prefeitos devem ser penalizados com rigor.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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