O contribuinte fornece os meios, mas o Orçamento é moldado segundo objetivos privados do presidente e de seus apoiadores
Feito com dinheiro público, o Orçamento da União, apropriado para atender aos interesses do presidente e de seus aliados, é cada vez menos público na sua elaboração e no seu uso. Conhecido como “orçamento secreto”, o conjunto das emendas de relator consagra o manejo das finanças federais como um exercício privado. Tudo se passa como se alguns privilegiados tivessem o direito de usar essas verbas sem dar explicações aos demais cidadãos. Ao liberar o pagamento dessas emendas, depois de mantê-las suspensas por alguns dias, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu mais uma vitória aos defensores das práticas fiscais antirrepublicanas.
Dois argumentos, ambos duvidosos, foram usados para justificar a liberação. O Congresso estaria empenhado em esclarecer as práticas orçamentárias e, além disso, seria preciso evitar a interrupção de obras e de serviços. Não seria necessário, no entanto, continuar esperando os tais esclarecimentos. Quem aprovou o uso das verbas deve ter anotado a destinação do dinheiro e os nomes dos políticos envolvidos. A inexistência desse tipo de registro só seria explicável por uma extraordinária mistura de incompetência, irresponsabilidade e ingenuidade política. Quanto ao segundo ponto: como falar de obras e serviços, quando se desconhece a destinação do dinheiro? Se os pagamentos foram inicialmente suspensos por falta desse tipo de informação, nada justifica o recuo da ministra.
A apropriação ostensiva do Orçamento de 2021 repete-se no projeto orçamentário de 2022, ainda em tramitação no Congresso. Pelo parecer do relator, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), as emendas poderão chegar a R$ 16,2 bilhões, mas haverá espaço para aumento, se for aprovada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, também conhecida como PEC do Calote. Não há, até agora, razão para esperar maior transparência nas emendas de relator. Os brasileiros provavelmente continuarão assistindo, a distância, ao manejo de um orçamento secreto, adaptado, é claro, às necessidades de um ano eleitoral.
Como ficará o Orçamento da União ninguém sabe, ainda, mas o ministro da Economia, Paulo Guedes, já se esforça para aumentar o espaço das despesas. Aprovada a PEC dos Precatórios e recalculado o teto de gastos, ainda faltará espaço para acomodar R$ 2,6 bilhões. Para atender às cobranças do presidente Jair Bolsonaro, será preciso garantir a presença, no Orçamento, de verbas para o Auxílio Brasil, versão revista do programa Bolsa Família, com custo adicional previsto de R$ 54,6 bilhões. Essa ajuda deve ser parte importante da campanha de reeleição do presidente.
Prorrogar a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores, já aprovada na Câmara, custará R$ 5,3 bilhões e também será necessário encontrar recursos para isso. Importante para a preservação de empregos, essa medida pelo menos impedirá, ou limitará, o aumento da desocupação num período politicamente complicado.
Será indispensável, enfim, preservar condições para atender às cobranças do Centrão. Isso inclui o dinheiro destinado a emendas. Qualquer corte para garantir despesas obrigatórias ou politicamente importantes terá de passar longe, portanto, das emendas do orçamento secreto. Além disso, o Ministério da Economia terá de garantir recursos para cobrir o aumento dos gastos sujeitos à indexação, como os benefícios previdenciários. Preservar as contas públicas, uma obrigação sempre desafiadora, torna-se bem mais difícil quando a equipe econômica tem de lidar com um orçamento apropriado pelo presidente e por seus aliados, em vez de cuidar de um orçamento realmente público.
Se as projeções do mercado estiverem corretas, o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá cerca de 0,5% no próximo ano. Isso garantirá algum aumento da arrecadação, mas, ainda assim, 2022 será um ano complicado, na área fiscal. A dívida pública, já muito alta para um país emergente, ficará mais cara, por causa dos juros altos, e tenderá a crescer, ficando como um legado muito incômodo para o próximo mandato presidencial.