PEC dos Precatórios impacta a segurança jurídica do País’

By | 13/12/2021 7:19 am

A constitucionalização da infâmia

A ideia de que a subversão da ordem jurídica e o abandono da âncora fiscal eram indispensáveis para ajudar os pobres é falsa, e os pobres pagarão por isso

O Congresso promulgou parte da PEC dos Precatórios. Convenientemente, foi deixada de fora a emenda aprovada pelo Senado que vincula os espaços fiscais adicionais exclusivamente a gastos sociais. O heterodoxo “fatiamento” coroa a manobra que nasceu antirrepublicana não só nos meios, como nos fins.

Consolidou-se, não apenas no Planalto e no Congresso, mas em parte da opinião pública, a ideia de que o teto de gastos era um fetiche liberal insustentável. Ironicamente, posicionar-se contra a PEC do presidente que outrora vilanizava sistematicamente os programas de assistência social equivaleria a ser antipobre. Era preciso escolher o mal menor: ou o calote e a pedalada ou o abandono de milhões à miséria. Essa narrativa foi desmentida reiteradas vezes pelos especialistas em contas públicas.

Não é apenas que o governo tenha negligenciado desde o princípio promessas obtusas da campanha que poderiam ter aliviado os pobres ou gerado espaço fiscal, como a implementação de uma tributação mais progressiva ou uma reforma administrativa que tornasse a máquina pública mais eficiente e menos onerosa. Nem que tenha ignorado propostas parlamentares projetadas para compatibilizar novos gastos sociais com a sustentação do arcabouço fiscal, como a PEC 182/19 ou o Projeto de Lei de Responsabilidade Social.

O fato é que mesmo depois da pandemia, o governo ignorou pelo menos quatro alternativas sugeridas por sua própria equipe econômica para viabilizar o Auxílio Brasil sem furar o teto: revisar as despesas com abono salarial, com o seguro-defeso, com o seguro-desemprego ou com subsídios fiscais.

A Instituição Fiscal Independente do Senado apontou que seria possível dobrar o valor dos auxílios fixados na proposta do Orçamento de 2022 com cortes nas despesas de custeio, a correção da contabilização dos precatórios do Fundef/Fundeb e o direcionamento de metade das emendas parlamentares para o social.

Os senadores José Aníbal (PSDB-SP), Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE) apresentaram emendas que garantiriam R$ 99 bilhões ao social, podendo beneficiar 21 milhões de brasileiros com R$ 400 por mês.

Há gente séria pensando no País. Todas essas propostas permitiram robustecer expressivamente os gastos sociais ao abrigo do teto. Mas justamente esse era o inconveniente. O teto foi projetado para forçar a arena política a debater e a avaliar sistematicamente os gastos públicos. Mas isso atenta contra os propósitos do governo e seus aliados fisiológicos: ampliar despesas sem economizar um centavo.

Ao contrário, a pretexto de ajudar os pobres, o dinheiro dos cofres públicos e aquele “poupado” com o calote aos credores dos precatórios servirão para bancar, em ano eleitoral, mais emendas parlamentares (algumas tão escusas que chegaram a ser suspensas pelo STF), fundos partidários e eleitorais, benefícios corporativos (como bolsa-caminhoneiro) ou aumentos ao funcionalismo. Com o teto despedaçado, o céu é o limite.

A PEC constitucionalizou não só o descumprimento de sentenças judiciais, mas, como disse o senador José Serra, o princípio do “orçamento-ficção”. Com a nova regra de cálculo da inflação (de janeiro a dezembro), o limite de gastos anual será determinado com base em estimativas. Os Orçamentos passarão a ser aprovados ao sabor de especulações. A cada ano, uma nova bomba fiscal.

Ao constitucionalizar a subversão da ordem jurídica e consagrar a irresponsabilidade fiscal, a PEC impacta a credibilidade e a segurança jurídica do País, hipotecando seu futuro. A fatura não tardará a chegar e parte já está sendo paga. A bola de neve dos precatórios pode criar um passivo de R$ 850 bilhões até 2026. O custo para o Tesouro tomar empréstimos do mercado crescerá cada vez mais. Os juros previstos para os próximos 10 anos já estão em 12% ao ano. As chances de crescimento derretem a olhos vistos e uma crise social prolongada se desenha no horizonte.

A amarga ironia é que justamente os pobres, que serviram de pretexto para toda essa patranha, serão os mais penalizados.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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