As causas da impunidade dos corruptos

By | 14/12/2021 8:35 am

A Justiça cumpre seu papel quando reconhece nulidades processuais. O problema é a produção insistente de nulidades por parte de agentes públicos que atuam à margem da lei

(Editorial dO Estadão, em 14 de dezembro de 2021)
Nos últimos tempos, cresceu a percepção de que a impunidade voltou a ganhar terreno. Não é apenas a constatação de que o combate à corrupção não é prioridade no governo de Jair Bolsonaro, mas a impressão de que houve um arrefecimento nessa batalha por parte do próprio Poder Judiciário. Por exemplo, levantamento do Estado mostrou que, no âmbito de operações que investigavam escândalos de corrupção, a Justiça anulou recentemente condenações que somavam 277 anos e 9 meses de prisão.

Cada caso tem suas especificidades, sendo arriscado fazer diagnósticos gerais a partir desses números. De toda forma, eles mostram que a percepção da população sobre a impunidade tem algum respaldo na realidade. De forma recorrente, os tribunais têm reconhecido nulidades em processos penais envolvendo grandes escândalos de corrupção.

No entanto, – e aqui está o aspecto muitas vezes esquecido –, decisões reconhecendo nulidades processuais não são a causa da impunidade. O Judiciário cumpre perfeitamente o seu papel constitucional quando, após verificar que a lei processual não foi cumprida, impede que ilegalidades produzam efeitos. Nulidades são exatamente isto: um mecanismo civilizatório para que atos investigativos e processuais fora dos limites legais não gerem consequências sobre os cidadãos. Trata-se de importante proteção do indivíduo ante o abuso do poder estatal.

Não é, portanto, a Justiça que fica mal com esse conjunto de condenações anuladas, como se os tribunais tivessem agido indevidamente. Quem fica rigorosamente mal são os órgãos policiais, o Ministério Público e os juízes que acompanharam os respectivos inquéritos e processos onde ocorreram tais nulidades. Foram eles que, tendo a missão de defender a lei, praticaram ou foram coniventes com atos contrários à lei, que depois ensejaram nulidades. No Estado Democrático de Direito, não cabe combater supostas ações ilegais praticando novas ilegalidades.

A lei deve ser defendida dentro da lei. Também vale para a Polícia, o Ministério Público e magistrados a máxima de que os fins não justificam os meios. Precisamente por isso, existe, no regime republicano, a figura das nulidades. Além de ferir direitos e garantias individuais, permitir que um ato ilegal (nulo) produzisse efeitos estimularia novas ilegalidades.

É preocupante, não há dúvida, esse conjunto de condenações anuladas. Longos trabalhos investigativos foram declarados inúteis. Mas há uma circunstância agravante. Esse padrão de comportamento – órgãos estatais que atuam fora da lei, acarretando nulidades processuais – tem sido recorrente ao longo dos anos. Veja-se, por exemplo, o histórico de operações policiais anuladas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em razão de flagrantes ilegalidades: Castelo de Areia, Satiagraha e Boi Barrica. Muitas vezes, erros já identificados pela Justiça foram repetidos nas operações seguintes.

A cada decisão do STJ a respeito de nulidades processuais, tinha-se a esperança de que, nas futuras investigações, delegados federais e procuradores atuariam dentro dos limites estabelecidos pela lei e recordados pela Corte. No entanto, o conjunto de operações anuladas revela outra realidade. Renovam-se as operações e os processos, mas parece que as práticas permanecem as mesmas.

Em vez de um aprendizado, com uma atuação dos órgãos estatais em maior conformidade com a lei, o que se viu foi a promoção de verdadeira campanha difamatória contra as nulidades, como se elas fossem as responsáveis pela impunidade. Por exemplo, nas famosas Dez Medidas Anticorrupção, o pacote de propostas legislativas patrocinado por membros do Ministério Público, pretendeu-se, em absurda inversão de valores, reduzir o escopo das nulidades, com o objetivo de que atos ilegais (nulos) produzissem efeitos.

O problema não é a Justiça reconhecer as nulidades, quando elas existem. A grande catástrofe, verdadeiro retrocesso civilizatório, é essa produção insistente de nulidades por parte de agentes públicos que atuam à margem da lei.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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