PF descobre o que todos já sabiam

By | 18/12/2021 8:04 am

Polícia Federal concluiu aquilo que o Brasil inteiro viu: Bolsonaro mentiu ao afirmar que as urnas eletrônicas não são confiáveis. Indigno de confiança é o presidente

(Editorial  dO Estadão, em 18 de dezembro de 2021)

O presidente Jair Bolsonaro teve “atuação direta e relevante” na divulgação de desinformação sobre a segurança do sistema eleitoral, razão pela qual deve ser investigado e, eventualmente, processado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Essa é a dura conclusão do inquérito aberto pela Polícia Federal (PF) a fim de investigar o grau de responsabilidade de Bolsonaro na difusão da ideia de que as urnas eletrônicas são suscetíveis a fraudes. O relatório final da PF foi encaminhado ao STF no dia 16 passado pela delegada Denisse Dias Rocha. A autoridade policial sugeriu que Bolsonaro seja investigado no âmbito do Inquérito 4.874, conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, que apura a ação das chamadas milícias digitais.

No dia 29 de julho, Bolsonaro transmitiu uma live pelas redes sociais e pela TV Brasil – uma imoralidade por si só – a pretexto de “apresentar provas de fraudes” havidas em eleições passadas, em especial na eleição presidencial de 2014, vencida por Dilma Rousseff. Evidentemente, o presidente não apresentou prova alguma, até por impossibilidade fática. Auditorias realizadas pela própria PF, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelos partidos políticos jamais conseguiram demonstrar uma falha de segurança relevante nas urnas eletrônicas a ponto de pôr em dúvida a credibilidade de um sistema que há 25 anos traduz fidedignamente a soberana vontade dos eleitores.

A rigor, portanto, nem sequer havia o que a PF investigar ao longo desses cinco meses desde a vergonhosa live. O Brasil inteiro assistiu àquele espetáculo de imposturas e desinformação, o ápice da cruzada de Bolsonaro contra o mesmo sistema eleitoral por meio do qual construiu sua longa e improdutiva carreira no Poder Legislativo antes de chegar à Presidência da República, além de transformar sua prole em holding política.

O trabalho que teve a delegada Denisse Rocha, sem desmerecê-lo, naturalmente, foi ver e rever a transmissão em que Bolsonaro disse o que disse em alto e bom som, além de ouvir os envolvidos na sua organização, entre os quais o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Anderson Torres; o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Luiz Eduardo Ramos; e o diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem. Todos, concluiu o relatório da PF, agiram “de maneira enviesada para promover uma teoria conspiratória”.

A conclusão do inquérito da PF é de estarrecer todo e qualquer cidadão que nutre apreço pela ideia de República neste país. Ninguém menos que o presidente, dois ministros de Estado e o chefe da Abin agiram “por vontade livre e consciente de promover, apoiar ou subsidiar o processo de construção de narrativas sabidamente não verídicas, baseadas em premissas falsas ou em dados descontextualizados”, apontou o relatório da PF. Ao fim da investigação, a autoridade policial concluiu que “restou caracterizado pelas narrativas das pessoas envolvidas que a chamada ‘live presidencial’ foi um evento previamente estruturado com o escopo de defender uma teoria conspiratória que os participantes já sabiam inconsistente”.

Este seria um relatório devastador para a moral de um presidente da República minimamente digno do cargo. Para Bolsonaro, ele mesmo uma fraude como chefe do Poder Executivo, o documento nada deve dizer. O presidente já atingiu o objetivo de suscitar dúvidas sobre as urnas eletrônicas na cabeça de muitos eleitores. É com base nessa nuvem de suspeição que ele pretende sustentar a ideia de que foi vítima de “fraude” caso não seja reeleito em 2022, como indicam todas as pesquisas de intenção de voto no momento.

A PF fez seu trabalho e concluiu um inquérito que, a despeito da facilidade para apuração de provas, está bem abastecido de elementos que, em tese, podem levar à condenação do presidente pelas mentiras que disse à Nação sobre a segurança do sistema eleitoral. Cabe agora ao Ministério Público Federal também fazer o seu trabalho e defender, como determina a Constituição, a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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