Polícia Federal concluiu aquilo que o Brasil inteiro viu: Bolsonaro mentiu ao afirmar que as urnas eletrônicas não são confiáveis. Indigno de confiança é o presidente
O presidente Jair Bolsonaro teve “atuação direta e relevante” na divulgação de desinformação sobre a segurança do sistema eleitoral, razão pela qual deve ser investigado e, eventualmente, processado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Essa é a dura conclusão do inquérito aberto pela Polícia Federal (PF) a fim de investigar o grau de responsabilidade de Bolsonaro na difusão da ideia de que as urnas eletrônicas são suscetíveis a fraudes. O relatório final da PF foi encaminhado ao STF no dia 16 passado pela delegada Denisse Dias Rocha. A autoridade policial sugeriu que Bolsonaro seja investigado no âmbito do Inquérito 4.874, conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, que apura a ação das chamadas milícias digitais.
No dia 29 de julho, Bolsonaro transmitiu uma live pelas redes sociais e pela TV Brasil – uma imoralidade por si só – a pretexto de “apresentar provas de fraudes” havidas em eleições passadas, em especial na eleição presidencial de 2014, vencida por Dilma Rousseff. Evidentemente, o presidente não apresentou prova alguma, até por impossibilidade fática. Auditorias realizadas pela própria PF, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelos partidos políticos jamais conseguiram demonstrar uma falha de segurança relevante nas urnas eletrônicas a ponto de pôr em dúvida a credibilidade de um sistema que há 25 anos traduz fidedignamente a soberana vontade dos eleitores.
A rigor, portanto, nem sequer havia o que a PF investigar ao longo desses cinco meses desde a vergonhosa live. O Brasil inteiro assistiu àquele espetáculo de imposturas e desinformação, o ápice da cruzada de Bolsonaro contra o mesmo sistema eleitoral por meio do qual construiu sua longa e improdutiva carreira no Poder Legislativo antes de chegar à Presidência da República, além de transformar sua prole em holding política.
O trabalho que teve a delegada Denisse Rocha, sem desmerecê-lo, naturalmente, foi ver e rever a transmissão em que Bolsonaro disse o que disse em alto e bom som, além de ouvir os envolvidos na sua organização, entre os quais o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Anderson Torres; o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Luiz Eduardo Ramos; e o diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem. Todos, concluiu o relatório da PF, agiram “de maneira enviesada para promover uma teoria conspiratória”.
A conclusão do inquérito da PF é de estarrecer todo e qualquer cidadão que nutre apreço pela ideia de República neste país. Ninguém menos que o presidente, dois ministros de Estado e o chefe da Abin agiram “por vontade livre e consciente de promover, apoiar ou subsidiar o processo de construção de narrativas sabidamente não verídicas, baseadas em premissas falsas ou em dados descontextualizados”, apontou o relatório da PF. Ao fim da investigação, a autoridade policial concluiu que “restou caracterizado pelas narrativas das pessoas envolvidas que a chamada ‘live presidencial’ foi um evento previamente estruturado com o escopo de defender uma teoria conspiratória que os participantes já sabiam inconsistente”.
Este seria um relatório devastador para a moral de um presidente da República minimamente digno do cargo. Para Bolsonaro, ele mesmo uma fraude como chefe do Poder Executivo, o documento nada deve dizer. O presidente já atingiu o objetivo de suscitar dúvidas sobre as urnas eletrônicas na cabeça de muitos eleitores. É com base nessa nuvem de suspeição que ele pretende sustentar a ideia de que foi vítima de “fraude” caso não seja reeleito em 2022, como indicam todas as pesquisas de intenção de voto no momento.
A PF fez seu trabalho e concluiu um inquérito que, a despeito da facilidade para apuração de provas, está bem abastecido de elementos que, em tese, podem levar à condenação do presidente pelas mentiras que disse à Nação sobre a segurança do sistema eleitoral. Cabe agora ao Ministério Público Federal também fazer o seu trabalho e defender, como determina a Constituição, a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis.