A polícia que o bolsonarismo quer

By | 22/12/2021 7:47 am

A reação de bolsonaristas à investigação de policiais suspeitos de crimes expõe a subversão da justiça em justiçamento

Uma concepção primitiva da justiça criminal cristalizada em chavões como “Bandido bom é bandido morto” ou “Direitos humanos para humanos direitos” sempre esteve entranhada em parcelas da sociedade. No atual governo, essa ideia foi, para usar um termo em voga, empoderada.

É sabido que o clã Bolsonaro celebra confrontos policiais com resultado de morte, busca normatizar a impunidade à violência policial em expedientes como o “excludente de ilicitude” e manteve relações promíscuas com milicianos: valendo-se de prerrogativas parlamentares, a família já condecorou chefes de milícias e o ainda deputado Jair Bolsonaro sugeriu que as milícias deveriam ser legalizadas.

Essa cultura do justiçamento foi explicitada em uma investigação sobre policiais em Campinas, reportada pelo Estadão. Após a prisão de 11 PMs acusados de montar um grupo responsável por assassinatos de supostos bandidos e até de inocentes, o coronel Renato Nery Machado afastou 52 suspeitos de envolvimento.

Além dos homicídios, interceptações telefônicas da Corregedoria reuniram indícios de utilização de grampos clandestinos para espionar suspeitos e cobrar propina, de fraude processual, de peculato, de ameaça, de formação de bando armado e de desvios de dinheiro, armas e drogas.

Em reunião com seus oficiais, o coronel Nery Machado destilou indignação. “Eu entrei na polícia para ser polícia, não para ser bandido”, disse. “Isso aqui não é um grupo de oficiais, é um bando, (…) e esse bando criou uma quadrilha.”

A fala foi gravada e distribuída nas redes bolsonaristas. O coronel estaria “desgraçando a vida dos guerreiros verdadeiros”, acusou um dos perfis. “Quero ver se você (Nery) é ‘bravão’ assim com ladrão. Aliás, já matou um ladrãozinho nesses 30 anos de m… de serviço?”

A deputada estadual bolsonarista Adriana Borgo (Pros) subiu à tribuna da Assembleia Legislativa para atacar o coronel. “Isso é muito comum em todas as unidades. Qual é o comandante de verdade que foi da rua que não tem um ‘p4’ guardado?” “P4s” são armamentos apreendidos plantados nas cenas de crimes para fraudar ocorrências.

Bolsonaro e seus correligionários se dizem especialmente engajados em prestigiar as forças policiais. Se assim fosse, deveriam buscar punição exemplar e implacável à corrupção e à violência das bandas podres que tantos danos causam às maiorias honestas nas corporações. Mas, quando um comandante toma providências, é tratado como bandido e traidor pela súcia bolsonarista.

Essa inversão de valores, a total indistinção entre o uso legítimo e ilegítimo do monopólio da violência, se não prevalece na população, causa barulho e degrada a hierarquia das forças policiais. Quem começa justificando a violência ilegal contra criminosos em nome dos cidadãos honestos acabará fatalmente justificando o ocultamento da violência contra esses cidadãos praticada por policiais desonestos.

A se confirmarem as suspeitas sobre os crimes, será um dos maiores escândalos da história da PM paulista. Desde já, contudo, o caso escancara o criminoso ideal de justiça cultivado pelo bolsonarismo.

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Category: Blog

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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