Em algum ponto da história recente do País, a sociedade renunciou ao diálogo e passou a tratar o debate político como uma guerra de eliminação do “outro”, vale dizer, de qualquer um que não comungue dos mesmos valores, visões de mundo ou ideias para o futuro do Brasil. Há não muito tempo, o diálogo entre atores tidos como irreconciliáveis foi determinante para dar fim a crises tão severas que pareciam insolúveis. Desafortunadamente, isso parece ter se perdido.
A Constituição de 1988 é o exemplo maior de que a concertação civilizada em torno da miríade de interesses em jogo em uma sociedade complexa como a brasileira é possível. O País mal havia saído de uma ditadura que durou longos 21 anos. Decerto, havia forças muito poderosas que se recusavam a enxergar o alvorecer das liberdades. Contudo, ao final daquela Assembleia Constituinte, pode-se dizer que quase todas as forças políticas representadas no Congresso saíram com a percepção de que seus interesses, de alguma forma, foram contemplados pela Lei Maior. Em que pesem os problemas que remanescem no texto constitucional, em boa medida causados pelo afã dos constituintes em privilegiar direitos sobre deveres, o País deu um salto civilizatório com a promulgação da chamada “Constituição Cidadã”, filha legítima do diálogo entre os cidadãos e seus representantes.
O diálogo franco entre cidadãos, governo e o conjunto das forças representativas da sociedade – imprensa, igrejas, sindicatos, partidos políticos, universidades, etc. – também teve importância capital para debelar a hiperinflação que havia décadas transformava em pó a renda dos brasileiros do dia para a noite. Tratava-se, então, de uma crise longa e gravíssima. Pois é seguro afirmar que não haveria Plano Real caso forças antagônicas na arena política não pactuassem em torno de consensos mínimos, a começar pelo fato de reconhecerem a existência do problema da hiperinflação. Hoje, nem isso. Em nome da ideologia, diverge-se até do que é fato.
A capacidade de dialogar, ou seja, a compreensão de que aqueles que têm valores, visões de mundo e propostas para o País diferentes não são inimigos a serem eliminados, mas, antes, representantes de interesses legítimos de segmentos da sociedade que precisam ser ouvidos, é atributo fundamental da boa política.
Há quase uma década, o debate racional em torno de propostas para livrar o País de mazelas históricas, como a desigualdade e o baixo crescimento, está interditado por uma renhida peleja que nem sequer pode ser chamada de “disputa política”, pois se vê de tudo, menos a abertura ao diálogo da qual é pressuposto. Soluções legítimas e duradouras para os problemas nacionais – problemas estes que a política foi concebida justamente para resolver – só hão de surgir por meio do diálogo. Não há alternativa.
Urge, portanto, recuperar a capacidade da sociedade para dialogar sobre questões que afetam todos os cidadãos. O clima de guerra fratricida que se instalou no País, é preciso enfatizar, foi estimulado por lideranças políticas irresponsáveis que só triunfam em meio ao caos, em meio ao esgarçamento do tecido social, dividindo os brasileiros entre falanges. Não é uma condição inata da nacionalidade. A sociedade já demonstrou em outros momentos trevosos que é capaz de se unir quando precisa.
O ano que se avizinha será extremamente desafiador. A Nação assistirá a uma luta pelo poder como há muitos anos não via. A campanha eleitoral certamente será marcada não pelas mentiras que todo candidato conta, e sim por uma avalanche de desinformação destinada a embaralhar a noção de realidade e premiar os delinquentes políticos. Sendo assim, cada cidadão, no seio de sua família e no seu círculo de amizades, precisa criar barreiras para não se deixar influenciar por esses arautos da desunião. Em recente artigo no Estado, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, lembrou que “todas as esferas da vida só prosperam com diálogo civilizado e construtivo”. Com razão, Mourão exortou seus concidadãos a “superar a agenda do confronto, do ‘eu contra você’ e ‘nós contra eles’”.
Não se busca a concórdia absoluta, que só existe nos cemitérios, mas sim a recuperação do diálogo minimamente civilizado entre os cidadãos, o que já fará um bem enorme ao País.