Justiça dirá se houve corrupção no governo. Mas já se sabe que princípios orçamentários estão sendo corrompidos sem pudor
Como revelou reportagem do Estado, a distribuição sem transparência ou critérios técnicos dos mais de R$ 16 bilhões das emendas de relator, o chamado “orçamento secreto”, privilegiaram municípios governados por aliados dos caciques do Congresso.
Em 2020, entre as indicações de Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), até há poucos dias líder do governo no Senado, estava, por exemplo, o asfaltamento de um trecho de estrada em Lagoa do Barro. A Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), estatal federal controlada por parlamentares do Centrão, contratou uma empresa por R$ 7,3 milhões.
Ocorre que não apenas a obra era de competência estadual, como a mesma empresa já havia vencido uma licitação do governo de Pernambuco. O valor previsto pela Codevasf era nada menos que 354% maior que o acordado pelo governo pernambucano.
A ordem de serviço da Codevasf foi suspensa, mas R$ 95 mil, bancados com emendas do deputado Fernando Filho (DEM-PE), filho de Bezerra, foram desperdiçados em estudos realizados por uma empresa sem permissão para operar no local. Só em 2020, Bezerra encaminhou ao menos R$ 150 milhões à Codevasf, dirigida por seu ex-assessor Aurivalter Cordeiro. A maior fatia foi para Petrolina, município governado por outro filho do senador, Miguel Coelho (MDB). Tudo em família.
No mesmo dia em que essas manobras foram reveladas pelo Estado, o presidente Jair Bolsonaro gravou seu pronunciamento de fim de ano. Já prevendo um panelaço – do qual deve participar boa parte dos cerca de 60% de cidadãos que, segundo pesquisas recentes, consideram seu governo ruim ou péssimo –, o presidente ironizou: “Convoco o pessoal da esquerda para fazer um superpanelaço para comemorar três anos sem corrupção”.
A Justiça dirá se é ou não cedo demais para comemorar. Desde já, no entanto, é certo que poucas vezes se viu um governo criar condições tão propícias para gerar corrupção, a começar pela falta de transparência.
De resto, se a corrupção é um tipo penal, em sua acepção geral significa deterioração, putrefação. Neste sentido, não resta dúvida de que o Orçamento público foi brutalmente corrompido. Princípios orçamentários básicos, como pertinência, relevância ou impessoalidade são violentados a plena luz do dia pelo governo e seus aliados.
A degradação salta aos olhos. Aumentos expressivos de verbas aos partidos ou de privilégios corporativos levaram ao maior encolhimento da história nos investimentos federais. Verbas sociais são enxugadas para dar espaços a projetos eleitorais. Enquanto a Bahia, por exemplo, era devastada por tormentas sem precedentes, governo e Congresso pactuavam uma redução de 43% nos recursos para a Defesa Civil, responsável, entre outras coisas, pela prevenção de enchentes e socorro às populações afetadas.
Diz-se que “a corrupção dos melhores é a pior” (corruptio optimi pessima est). Ao menos desse mal o governo está escusado. Mas, ao distribuir dinheiro público sem transparência ou critérios técnicos, está facilitando como nunca a disseminação da corrupção entre os piores.