Cenário de desafios no caminho da economia brasileira

By | 30/12/2021 6:38 am

Ambiente ruim, com crescimento próximo de zero e baixa geração de empregos, deve ser agravado por turbulências das eleições presidenciais

(Luciana Dyniewicz, nO Estadão, 30 de dezembro de 2021)

A visão dos economistas em relação ao cenário de 2022 é praticamente unânime: será um ano desafiador. Um misto de estagnação na atividade, instabilidade financeira decorrente da incerteza política e uma desigualdade exacerbada pela pandemia deverá resumir a economia brasileira no próximo ano. Soma-se a isso um cenário internacional desfavorável a mercados emergentes, com bancos centrais de países ricos retirando estímulos monetários, elevando juros e, assim, atraindo dinheiro dos investidores – em detrimento de países como o Brasil.

Isso significa que praticamente nenhum brasileiro, seja empresário, investidor, formulador de política econômica ou consumidor, terá uma vida fácil em 2022. A exceção deve vir de um setor que, ao longo do tempo, parece ter se descolado da realidade do Brasil: o agronegócio. Com uma supersafra no horizonte, o segmento deve ver seu PIB avançar 5%, segundo o Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre).

“A volatilidade financeira em 2022 será superior à de anos normais de eleição. Se fosse só a questão eleitoral, até estaria tudo bem, estamos acostumados. O problema é que, além disso, temos uma economia que cresce pouco e um contexto global em mudança”, diz o economista-chefe do BV (antigo Banco Votorantim), Roberto Padovani.

O panorama geral deverá resultar em um PIB de 0,4% no ano, segundo estimativas de bancos e consultorias coletadas pelo Banco Central e publicadas no último dia 27 no Relatório Focus. Se esse desempenho se confirmar, o País continuará afastado da tendência de crescimento que vinha registrando antes da pandemia – que já era débil.

Depois da recessão de 2015 e 2016, o Brasil manteve uma média de alta do PIB de 0,4% por trimestre. Segundo dados do Ibre, entre 2020 e 2022, esse número ficará em 0,25%. Para que o ritmo anterior fosse recuperado, seria necessário avançar 6% em 2021 e entre 2% e 3% em 2022. O Relatório Focus, porém, indica alta de 4,51% para 2021. “Estamos longe da tendência anterior, que já era praticamente nada, e o risco é que tudo seja ainda pior do que estamos projetando hoje”, diz a economista Silvia Matos, do Ibre.

Na visão de José Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB Associados, desde o fim de 2014 não se via um cenário tão negativo para a economia. O economista projeta um PIB ao redor de zero para 2022 e destaca que, nos últimos três meses, quase todos os indicadores de atividade apresentaram resultados inferiores aos que os analistas esperavam.

A indústria, por exemplo, encolheu 0,6% em outubro na comparação com setembro, quando analistas financeiros ouvidos pelo Estadão/Broadcast esperavam expansão de 0,7%. Em cinco meses de recuos consecutivos, o setor acumulou perda de 3,7%. No comércio varejista, a queda em outubro – a terceira seguida – foi de 0,1%, quando se projetava incremento de 0,6%, e, nos serviços, a retração ficou em 1,2%, enquanto as previsões variavam de redução de 1,1% a alta de 1,4%.

“Há muito tempo não se vê uma consistência assim nos indicadores. Não adianta o ministro (Paulo Guedes) ficar dizendo que as projeções (de PIB) são um pessimismo que não vai se verificar e que, em 2020, todo mundo errou (as estimativas de recessão, que beiravam uma retração de 10%)”, diz Mendonça de Barros. “O fato é que vamos para o quarto ano de governo sem crescimento. Estamos andando de lado.”

A maior responsável pela estagnação será a taxa básica de juros (a Selic), que passou de 2% no começo de 2021 para 9,25% em dezembro – e deverá terminar 2022 em 11,5%, segundo o Relatório Focus. Como o impacto de uma mudança na política monetária na economia costuma levar de dois a três trimestres para ser verificado, são esperados para 2022 os maiores efeitos desse aperto provocado pelo BC para segurar a inflação.

A alta da Selic deve travar a concessão de crédito, prejudicando investimento e consumo e retirando o gás da economia. A preocupação dos especialistas é elevada porque essa mudança da política do BC chega em um momento em que famílias estão devendo e pequenas empresas trabalham com pouco caixa devido à crise provocada pela pandemia.

Diante do desemprego e da queda de renda, o brasileiro se endividou e hoje o total de famílias nessa situação é recorde: 75,6%, o maior patamar da série iniciada em janeiro de 2010 pela Confederação Nacional do Comércio (CNC). Por enquanto, porém, ainda não há um incremento no número dos que não conseguem pagar suas dívidas. Em novembro, eram 34,5% dos endividados.

ALAVANCAS DA ATIVIDADE

Além do agronegócio, os únicos propulsores da atividade em 2022 – mas em menor escala – deverão ser os serviços, os serviços públicos e a indústria extrativa (petróleo e mineração, sobretudo). Todas são atividades consideradas “exógenas”, porque não dependem das políticas monetária e fiscal, ou não dependerão em 2022, especificamente.

No caso dos serviços prestados às famílias, principalmente nas áreas de transporte, lazer e educação, a expectativa é que eles cresçam com a reabertura completa da economia, dado que em 2021 essa normalização das atividades só foi verificada no segundo semestre. Dados do IBGE indicam que os serviços ainda estavam 3% abaixo do patamar pré-pandemia no terceiro trimestre de 2021. Há, portanto, espaço para crescerem, ainda que limitados pela alta da inflação. Esse cenário traçado pelos economistas, porém, não considera que novas restrições de mobilidade sejam adotadas no País por causa da variante Ômicron.

Nos serviços públicos, deve haver avanço nas áreas de saúde e educação. Procedimentos como cirurgias eletivas que não foram realizadas por conta da pandemia e um maior número de matrículas nas escolas vão ajudar a movimentar o segmento.

Já as obras públicas, que costumam ser turbinadas em anos eleitorais, e as concessões não devem ter força suficiente para mudar o quadro de estagnação. A análise é que não haverá tempo suficiente para que elas sejam contratadas e que canteiros de obras sejam instalados ainda em 2022.

“Há uma retomada da agenda de infraestrutura em curso, mas esperamos que os efeitos iniciais ocorram a partir do fim de 2022 e que o impacto maior seja em 2023 e 2024”, diz a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria.

Além de não serem suficientes para causar um impacto positivo na atividade, as eleições vão aumentar a instabilidade no mercado financeiro e segurar projetos de investimento. Com a polarização política e diante da fragilidade das contas públicas, a turbulência no preço das ações, dos juros e do câmbio deve se acentuar. Esse cenário, inclusive, começou a ser desenhado já neste ano, quando o presidente Jair Bolsonaro adotou medidas para tentar melhorar sua popularidade, como a transformação do Bolsa Família em Auxílio Brasil.

“Podemos ter um quadro melhor se houver um debate econômico centralizado nas fragilidades da economia. Mas, se houver uma campanha agressiva e polarizada, pode haver um aumento das incertezas e da instabilidade. Isso vai repercutir nos preços de ativos e rebater sobre a atividade real”, diz a economista-chefe do SantanderAna Paula Vescovi.

Na economia real, a tendência é que a incerteza leve empresas e consumidores a postergar suas decisões de investimento e consumo. Esse panorama fará o investimento recuar. Segundo estimativa da Tendências, a formação bruta do capital fixo (forma de medir os investimentos) deve cair 3% em 2022, após subir 15% em 2021.

Com redução no investimento e expansão apenas em atividades que não estão entre as grandes promotoras de empregos, o desemprego cairá lentamente – melhora que pode ficar restrita ao mercado informal. “O agro, a indústria extrativa e o setor público não vão gerar emprego de forma importante. O agro pode salvar a economia de um município, mas não a de um país. Quem contrata é o serviço e a construção. Assim, vamos ver aquele boom na informalidade”, diz a economista Silvia Matos, do Ibre.

Por outro lado, a melhora no mercado de trabalho informal aliada à desaceleração da inflação, que deve passar de 10% em 2021 para 5% em 2022, pode elevar a renda disponível em 1,4%, segundo o economista-chefe do BradescoFernando Honorato. Em 2021, o recuo ficou estimado em 9%. Essa mudança dará ao consumidor uma percepção de alívio.

Já a fome, uma das principais marcas de 2021, não deve ceder de forma significativa. Para que houvesse uma mudança importante, seria necessário que a desigualdade reduzisse mais rapidamente. Isso não acontecerá se o País não crescer com mais dinamismo. “A redução da miséria depende de a economia avançar de forma mais sustentável. O Auxílio Brasil alivia, mas precisaria de uma política mais bem feita e focalizada”, acrescenta Honorato.

CADEIAS DE PRODUÇÃO

Não fosse suficiente a deterioração geral da economia doméstica, o panorama externo também não deve favorecer o Brasil. Para Padovani, do BV, o aumento da taxa de juros nos Estados Unidos e o impacto desse movimento nos mercados emergentes serão definidores do cenário econômico brasileiro. “A retirada de estímulo monetário nos EUA, no Japão e na União Europeia tende a não ser neutra para emergentes. Estaremos diante de um quadro que gera instabilidade financeira.”

O aperto monetário internacional, porém, pode reduzir a demanda por produtos como semicondutores, cuja escassez travou a indústria automobilística nos últimos dois anos. É esperada, assim, uma normalização da cadeia de suprimentos entre o segundo semestre de 2022 e o primeiro de 2023.

“Estou convencido de que o problema das cadeias globais é excesso de demanda, em particular na de semicondutores. Quando se analisa a produção desses itens, está acima do pré-pandemia”, diz Honorato, do Bradesco. Esse aumento na demanda, segundo ele, foi uma resposta aos estímulos econômicos implementados em todo o mundo na tentativa de se evitar uma recessão decorrente da pandemia. Com a alta dos juros, portanto, a demanda deve desacelerar, e o problema começar a se resolver.

O economista do Bradesco destaca ainda que, domesticamente, qualquer reforma que começasse a ser tocada nesses primeiros dias de 2022 – fosse administrativa, de abertura comercial, na área tecnológica ou ambiental – poderia mudar o humor dos investidores em relação ao Brasil. Na prática, diz, isso é muito improvável. “O Congresso rapidamente se voltará às eleições. Não tenho no meu cenário base nenhuma agenda importante em 2022 capaz de alterar esse quadro (desafiador para o Brasil).”

Comentário

Category: Blog

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *