Reduzir a corrupção é muito mais do que mera questão de repressão penal. Tratar de forma simplista um problema complexo é ineficiente, além de frustrante para a população
Fenômeno semelhante ocorreu com o bolsonarismo. Há um antes e um depois da chegada de Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto. Na campanha de 2018, a luta contra a corrupção foi a grande bandeira do candidato do PSL, que, depois de eleito, convidou para o governo a figura mais proeminente da Lava Jato, o então juiz da 13.ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro. No entanto, depois de Jair Bolsonaro assumir a Presidência da República, o tema foi despido de qualquer relevância. É especialmente constrangedor o silêncio de Bolsonaro em relação às suspeitas de rachadinha envolvendo sua família e às revelações da CPI da Pandemia sobre as negociações de vacinas no entorno do Ministério da Saúde.
Nota-se, assim, uma lógica perversa, de manipulação de expectativas para fins eleitorais. E o problema não é apenas a atitude após as eleições, com o abandono das promessas de campanha sobre o combate à corrupção. Há um desequilíbrio nas próprias campanhas, quando apresentam a corrupção como sendo o grande problema nacional. Infelizmente, o Brasil ainda está muito longe de ter como principal desafio o combate à corrupção: há outros problemas mais graves e mais difíceis de serem resolvidos do que negociações indevidas envolvendo o público e o privado.
Obviamente, o tema da corrupção deve entrar em uma campanha eleitoral. Não cabe, por exemplo, o PT ignorar, como se nada tivesse ocorrido, os muitos escândalos de corrupção dos governos Lula e Dilma. Conduta ilibada é requisito indispensável para quem deseja ocupar o mais alto posto do Executivo federal – e não há conduta ilibada quando as suspeitas não são devidamente esclarecidas.
O tema da corrupção deve permear especialmente o debate das eleições para o Congresso. Afinal, é o Legislativo federal que define o tratamento jurídico a ser dado às condutas inadequadas envolvendo a administração pública. Seria muito benéfico para o País que o tema fosse objeto de um debate maduro, numa avaliação rigorosa das experiências e estratégias disponíveis para melhorar o trato da coisa pública.
Trata-se de discussão que vai muito além do clamor por aumento das penas ou por “menos impunidade”. Como lembrou Laura Karpuska, em sua coluna no Estado (Corrupção, dia 19.11.2021), “a corrupção acontece porque existem distorções na distribuição de poder de um país que propiciam atividades ilícitas. Instituições accountable, inclusivas e transparentes são mais importantes do que o combate demagógico à corrupção”.
No uso eleitoreiro do tema, a corrupção é reduzida a uma questão de repressão penal, em tratamento simplista de um problema complexo que, como a história nacional tem mostrado com abundantes exemplos, é rigorosamente ineficiente – e muito frustrante para a população.
Ao tratar da necessidade de um debate mais profundo, a economista Laura Karpuska lembra que “ser anticorrupção é tornar políticos e servidores responsáveis pelos próprios atos”. Entre outros pontos, tal perspectiva de responsabilidade, mais abrangente do que apenas punir os malfeitos – tática que é, muitas vezes, mero “enxugar gelo”–, ajuda a desvelar a incompatibilidade do bolsonarismo e do lulopetismo com uma genuína agenda anticorrupção. As táticas de Lula e de Bolsonaro para não responder por seus atos – seja no mensalão, no petrolão, na rachadinha ou na pandemia – contribuem diretamente para rebaixar o patamar de moralidade na vida pública. Responsabilidade e transparência são atributos indispensáveis do exercício do poder no regime democrático.