As mídias sociais e o futuro da democracia

By | 31/12/2021 2:44 pm

Especialistas se dividem entre os efeitos benéficos e maléficos do espaço virtual. O certo é que ele precisará de alguma forma de regulação

(Editorial dO Estadão, em 31 de dezembro de 2021)
Boa parte das angústias das pessoas que se preocupam com o futuro da democracia advém do impacto dos espaços digitais sobre o tecido social e a capacidade de deliberação dos cidadãos. A invasão do Capitólio nos Estados Unidos tornou-se um ícone dos efeitos deletérios da desinformação e dos discursos tóxicos, intensificando a apreensão sobre o papel das redes sociais.

Neste contexto, o Pew Research Center inquiriu mais de 800 inovadores, executivos, gestores e pesquisadores do campo da tecnologia a propósito do futuro dos espaços digitais e seu papel na democracia. A grande maioria (70%) acredita que a revolução digital tem em igual medida aspectos positivos e negativos; 18% veem uma predominância dos negativos; e 10% dos positivos. Perguntados se, num arco de 15 anos, os espaços digitais serão ou não utilizados de maneira que servirão significativamente ao bem comum, 61% afirmaram que sim e 39%, que não.

Os pessimistas apontam que as fragilidades e perversidades humanas tendem a se amplificar com as novas tecnologias. Humanos são autocentrados e têm a visão curta; logo, são fáceis de manipular. Muitos temem que as instituições humanas não sejam capazes de acompanhar o ritmo e a complexidade das comunicações digitais. Alguns preveem mesmo uma espiral distópica com os avanços na Inteligência Artificial, hipervigilância, a “dataficação” de cada aspecto da vida ou engenharias comportamentais abastecidas pelo autoritarismo e magnificadas pela desinformação.

É um dado que, para maximizar os lucros, os atuais algoritmos das mídias sociais são programados para acelerar o engajamento dos usuários. O problema é que, mais ou menos deliberadamente, eles acabam favorecendo meios de engajamento eficazes, mas socialmente destrutivos, como o extremismo, o ódio e a mentira.

Diante disso, os otimistas ancoram suas melhores esperanças no redesenho dos algoritmos a fim de qualificar a interação dos indivíduos e robustecer o debate democrático. Há um anseio difuso por uma regulação que promova o discurso cívico e reprima a desinformação. Mas ele se depara com a questão crucial: quem seria responsável pelos critérios e sua execução: os governos? As próprias mídias? Os usuários?

Para muitos, o Estado, por meio de uma combinação de regulação e pressões brandas, teria o papel de induzir as empresas de tecnologia a adotar comportamentos mais éticos. Alguns apontam que, como em todos os avanços anteriores na comunicação humana, após um primeiro momento disruptivo, o letramento digital e a familiaridade com os aspectos mais tenebrosos da tecnologia trarão naturalmente melhoras.

Entre as propostas que têm sido aventadas para redesenhar o ambiente digital estão a introdução de mais competição no ecossistema de informações por meio de softwares que permitam às pessoas escolher algoritmos que priorizem conteúdos conforme seus padrões editoriais; sistemas eletivos online que favoreçam consensos ao invés da polarização entre grupos partidários; uma Declaração dos Direitos da Internet que permita uma soberania individual, garantindo o anonimato a cada pessoa, mas erradicando robôs; ou sistemas de comunicação construtivos que reduzam a voltagem do ódio e concilie divisões.

É possível apontar fragilidades e riscos em cada uma dessas estratégias. Possivelmente, o melhor caminho será uma combinação de todas – de maneira que as virtudes de umas compensem os vícios de outras –, orientada pelo princípio da subsidiariedade, ou seja, a primazia da regulação sobre o conteúdo caberia ao usuário e, subsidiariamente, às outras autoridades, das menos às mais centralizadas: as próprias mídias, os governos nacionais e, por fim, uma governança global.

O que parece incontroverso é que, tal como o espaço público físico, o virtual precisa de alguma regulação. É a única alternativa à anarquia. E se essa regulação não for implementada pela coletividade conforme os princípios e métodos democráticos, a história sugere que inevitavelmente o será conforme as ambições autocráticas ou plutocráticas de uns poucos.

Comentário

Category: Blog

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *