Campanhas contra o passaporte defendem a morte por COVID

By | 02/01/2022 6:22 am

A liberdade ameaçada pela desinformação

Valendo-se da profunda aspiração humana por ser livre, campanhas contra o passaporte da vacina pregam a morte. O cuidado com o outro não agride o regime de liberdade

(Editorial dO Estadâo, em 02 de janeiro de 2022)

Entre os maiores desafios do mundo atual, encontra-se o fenômeno da desinformação. Não é apenas que a realidade seja complexa e sujeita a várias interpretações, além de suscitar diferenças de percepção e opinião. A desinformação é a manipulação de fatos e conceitos para sujeitar uma parcela da população a determinados interesses. Essa tática, que sempre existiu, ganhou especial poder corrosivo por meio das redes sociais, com efeitos sobre todo o tecido social.

Um dos conceitos mais atacados pelas campanhas de desinformação é a liberdade. Os manipuladores utilizam a profunda aspiração humana por ser livre para impor suas concepções, em uma perversa inversão de valores. Caso recente ocorreu com a exigência do chamado passaporte da vacina, que é uma medida de elementar prudência, adotada pacificamente ao longo da história para proteção da saúde da população. Havendo um perigo sanitário e existindo meios para reduzir esse perigo, exige-se, pelo bem da coletividade, a adoção desses meios.

No entanto, no mundo inteiro – especialmente, nos Estados Unidos e na Europa, mas também aqui – começou a haver resistência ao passaporte da vacina, cuja exigência para determinadas atividades passou a ser apresentada como violação da liberdade individual. O presidente Jair Bolsonaro disse sobre o assunto: “Eu prefiro morrer do que perder a minha liberdade”. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, fez-lhe coro: “É melhor perder a vida do que perder a liberdade”.

É triste ver autoridades, que foram investidas de poder para cuidar do interesse público, disseminarem esse tipo de falso problema. É evidente que toda exigência do poder público – por exemplo, o passaporte da vacina em meio a uma pandemia ou a proibição de fumar em lugares fechados – envolve alguma limitação à liberdade individual. Este é justamente o papel da autoridade pública: dentro de sua esfera de competência e em conformidade com a lei, deve zelar pelo interesse público.

No entanto, e aqui está a falácia da frase de Bolsonaro, a limitação trazida pela exigência de passaporte da vacina é perfeitamente justificada pelo bem protegido, a saúde de todos. Não há nenhuma proporcionalidade – escapa de qualquer racionalidade – preferir a morte à vacina anticovid.

Há muitas situações em que a defesa da liberdade pode levar ao sacrifício da própria vida. Trata-se de atitude nobre, verdadeiramente heroica. A campanha contra a vacinação, em nome de uma suposta liberdade, é de outra natureza, inteiramente diferente. Em vez de defender a vida e a liberdade, essas pessoas estão pregando a morte; e pior, a morte dos outros.

Há outro aspecto que desvela a falácia dessa suposta defesa da liberdade. Jair Bolsonaro e seus seguidores nunca defenderam a liberdade dos cidadãos em face do Estado. Por exemplo, elogiam a ditadura militar, invocam o AI-5 e defendem a tortura. Ou seja, quando o aparato estatal viola escancaradamente a liberdade dos cidadãos, ficam do lado do Estado. Mas é só mencionar o passaporte da vacina, que não prende ou tortura ninguém, que passam a clamar pela liberdade e o direito de ir e vir.

Como se vê, não há coerência, tampouco consistência teórica. Mesmo a concepção mais liberal de Estado entende que o poder público tem o dever de restringir a liberdade para defender a vida e a liberdade dos cidadãos. No entanto, a desinformação sobre a liberdade, por mais esdrúxula que seja, confunde pessoas, produz desconfiança e gera danos sociais. E não é só com as vacinas.

Outro caso escandaloso de manipulação é a defesa da liberdade de expressão para a prática de crimes. “Mas ele apenas fez um vídeo”, dizem alguns liberticidas, contestando determinadas medidas judiciais do Supremo. Diante de tal confusão, é preciso lembrar o óbvio: há liberdade de expressão, mas não há autorização para agredir, ameaçar ou ofender.

A desinformação ataca princípios óbvios, que sempre fundamentaram o tecido social. Que fique claro: a lei não se opõe à liberdade, e o cuidado com o outro não agride o regime de liberdade.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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