Nada indica que os brasileiros não estejam dispostos a proteger o regime democrático de ataques cada vez mais audaciosos
O País chega ao último ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro exaurido após tantos desmandos, tanta incompetência e tantas manifestações de descaso pelas aflições de milhões de brasileiros. No meio dessa travessia acidentada, a eclosão da pandemia de covid-19, que no Brasil matou mais de 620 mil pessoas, lançou luzes ainda mais fortes sobre as flagrantes deficiências administrativas e de caráter do atual mandatário.
A história da República não registra um presidente que tenha rebaixado tanto a instituição que representa. Sob Jair Bolsonaro, o deboche, a mentira, a violência e o linguajar chulo, entre outras descargas de falta de decoro, foram convertidos em instrumentos de governo, vendidos aos incautos e aos convertidos como traços da “simplicidade” ou da “autenticidade” do presidente.
De seu gabinete no Palácio do Planalto, das praias do exuberante litoral brasileiro ou da beira de estradas País afora, Bolsonaro tem trabalhado duro para erodir os pilares do Estado Democrático de Direito e semear a desconfiança entre os cidadãos e entre estes e as instituições democráticas. Seu governo não tem medido esforços para esgarçar ainda mais o tecido social e dividir os brasileiros em falanges. Nunca o grau de confiança dos cidadãos, entre si e em relação ao governo, foi tão baixo, como apontou um recente estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Diante desse cenário de aparente terra arrasada, é compreensível, pois, a falta de confiança de muitas pessoas na capacidade do País de parar, refletir e traçar novas rotas para sair dessa crise de múltiplas dimensões da qual parece ser um prisioneiro. Mas, por incrível que pareça, há razões para otimismo, ainda que cauteloso e vigilante. Há dados objetivos para acreditar que a sociedade será capaz, se quiser, de virar uma das páginas mais sombrias da história nacional.
Nos últimos três anos, a democracia brasileira foi submetida ao maior teste de estresse desde 1985, quando a liberdade foi reconquistada após longos 21 anos de ditadura militar. Nenhum presidente da República desde a redemocratização pregou e atuou com tanto afinco como Bolsonaro para desacreditar o valor do Supremo Tribunal Federal (STF), do Congresso, dos partidos políticos, da imprensa livre e profissional, da educação, da ciência e da cultura como elementos essenciais para a construção de um país livre, justo e desenvolvido.
Não obstante as agressões, há vibrantes sinais de resistência que demonstraram a resiliência do regime democrático no Brasil, ora sob ataque. No STF, no Congresso e nas organizações da sociedade civil não foram poucas as ações que se contrapuseram às investidas liberticidas de Bolsonaro e seus esbirros espalhados por diferentes órgãos do governo e fora dele.
No curso da pandemia, foi notável a reação ao negacionismo mortal do presidente empreendida pelo STF, pelo Congresso, pelos entes da Federação e, principalmente, pelos cidadãos. Não é exagero dizer que todas essas instituições reagiram como reagiram porque souberam aferir o pulso dos cidadãos, majoritariamente contrários à “gestão” federal da emergência sanitária.
A agenda reacionária encampada por Bolsonaro, que lhe serviu para angariar votos na campanha eleitoral, teve pouco espaço para avançar na atual legislatura. Bolsonaro é o presidente que menos conseguiu aprovar projetos de sua iniciativa, mesmo sendo o recordista em pagamento de emendas parlamentares. Com todos os seus erros e acertos, o Congresso está em pleno funcionamento. Sinal mais vigoroso de resistência democrática não há.
Graças à imprensa livre e profissional, a sociedade tomou conhecimento de escândalos que rondam o presidente e pessoas de seu entorno, como as “rachadinhas”, o “orçamento secreto” e as interferências ilegais em órgãos da administração pública e instituições de Estado.
Como já foi dito nesta página, a democracia não se sustenta por si só, apenas pela força de suas virtudes. É preciso batalhar por ela. E diante de tudo o que o País viveu nesses três últimos anos, nada indica que os brasileiros não estejam dispostos a protegê-la de ataques cada vez mais audaciosos.