Ao vetar as metas para a redução da pobreza, Bolsonaro revela que prioridade em relação aos pobres não é retirá-los da pobreza, mas amealhar seus votos
Assim foi possível robustecer o Bolsa Família, rebatizado de Auxílio Brasil. Como paga por seus esforços, governo e congressistas destinaram imensas parcelas dos novos recursos a mais emendas parlamentares, Fundos Partidário e Eleitoral e benefícios corporativos. As metas determinadas pela Justiça e pelo teto de gastos constitucional foram abaladas, hipotecando a credibilidade do País e suas perspectivas de crescimento, mas ao menos seria possível cumprir uma meta mais urgente: a redução da pobreza.
A redução foi determinada pelo Congresso na lei que instituiu o Auxílio Brasil. Em três anos, as taxas de pobreza e extrema pobreza deveriam ser respectivamente reduzidas a 10% e 3%.
O presidente Jair Bolsonaro, contudo, vetou essas disposições, por, segundo ele, contrariarem “o interesse público” ao impor compromissos ao governo sem estimar seu impacto no Orçamento e as medidas para compensá-lo.
O contrassenso salta aos olhos. A função das metas é precisamente obrigar o Executivo a equacionar receitas e despesas, sacrificando, se necessário, objetivos não prioritários para satisfazer um imperativo, no caso, a prioridade consensual e constitucional da redução da pobreza.
As metas foram inspiradas pelo Projeto de Lei de Responsabilidade Social, o mais robusto esforço de compatibilizar a inclusão social com o equilíbrio fiscal. Apresentado em 2020 pelo senador Tasso Jereissati, o projeto prevê diversos mecanismos no caso de descumprimento das metas, como a redução de gastos tributários, o acionamento de gatilhos do teto de gastos ou a suspensão de descontos no Imposto de Renda.
No texto da Lei do Auxílio Brasil não há previsão de aumento de gastos nem de punição aos gestores e nem sequer dos mecanismos compensatórios. Há somente uma previsão genérica atribuindo ao próprio Executivo a discricionariedade de determinar as medidas que julgar cabíveis para cumprir as metas, e, caso não sejam, justificar os motivos e estabelecer providências para reajustar a rota. Mas um planejamento como esse implicaria compromisso demais com uma prioridade que, indisfarçavelmente, não é a de Jair Bolsonaro.
“Realmente não dá para entender, porque não há nenhuma lógica, nenhuma coerência nesse veto”, disse Jereissati. “A única consistência que pode haver é que não é um programa de ataque à pobreza. É um programa de curto prazo, eleitoreiro.”
A manobra escancara a maneira demagógica com que a pobreza é tratada no Brasil. Já em 2015, o Congresso aprovou um plano de metas de redução da pobreza, mas foi vetado pela gestão lulopetista de Dilma Rousseff. Entra governo, sai governo e, quanto mais se multiplicam os salvadores do povo, mais o povo é negligenciado.
Metas trazem para o mundo real da ação aquilo que está só na esfera ideal das palavras. Obrigam os gestores da República a implementar os meios para concretizar seus fins últimos, inscritos na Constituição. Por isso foram estabelecidas metas para a inflação, juros, gastos, alfabetização, desmatamento e outras prioridades.
As metas para a pobreza estabelecidas pelo Legislativo fixam um parâmetro objetivo para que o Executivo discuta, formule e execute a sua solução à equação entre gastos sociais, para garantir as necessidades básicas de todos os pobres, e investimentos e reformas, para garantir o crescimento econômico e, consequentemente, o mecanismo mais eficaz para libertar os pobres da pobreza: o emprego.
Mas, com seu veto, Bolsonaro revela que sua única meta em relação aos pobres é amealhar seus votos. Resta ao Congresso derrubá-lo.