Decisão política do presidente foi preservar emendas de aliados e reserva para reajuste de servidor
Os vetos do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Orçamento de 2022 atingiram verbas de pesquisa em saúde, combate a incêndios florestais, manutenção de hospitais universitários e demarcação de terras indígenas.
Os cortes ocorrem em um contexto de continuidade do enfrentamento aos efeitos da pandemia de Covid-19, que novamente ameaçam sobrecarregar o sistema de saúde, e depois de um ano marcado por fortes queimadas em biomas como a Amazônia e o Cerrado.
No ano em que pretende buscar a reeleição, a decisão política do presidente foi blindar R$ 16,5 bilhões em emendas de relator, instrumento usado por parlamentares para irrigar seus redutos eleitorais, e manter uma reserva de R$ 1,7 bilhão para a concessão de reajustes a servidores.
Ao todo, Bolsonaro precisou cortar R$ 3,18 bilhões em despesas, medida que acabou recaindo em áreas que já têm recebido menor atenção no atual governo.
“Nada contra a polícia, mas é um único aumento de uma única categoria quando todos os servidores da saúde, da educação e outros serviços públicos também mereceriam aumentos neste momento no país.”
Houve cortes ainda em verbas de pesquisa do Ministério de Ciência e Tecnologia e da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
“Foram R$ 43 milhões só na Embrapa, exatamente em ciência e tecnologia de agricultura, e mais R$ 72 milhões no Ministério de Ciência e Tecnologia, que já tinha um orçamento extremamente baixo, já tinha perdido muito orçamento nesse período”, criticou a deputada do PC do B.
No Ibama, a verba destinada a prevenção e controle de incêndios sofreu um corte de R$ 17,2 milhões —o equivalente a 25% da dotação inicialmente reservada, que era de R$ 67,2 milhões.
Dessa maneira, os R$ 50 milhões aprovados para este ano ficaram abaixo do destinado a essa ação em 2021. Para o ano passado, o Congresso havia aprovado R$ 29,7 milhões, mas a dotação subiu depois a R$ 57,4 milhões.
Embora não tenha sido alvo de veto, a ação do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) para fiscalização, prevenção e combate a incêndios também ficou menor do que o executado em 2021.
Foram reservados R$ 75,6 milhões para 2022 para essa frente. No ano passado, o Orçamento reservou inicialmente R$ 14,2 milhões, mas a verba foi ampliada ao longo dos meses para R$ 87,5 milhões.
“No meio da crise, em junho, quando vai estar pegando fogo em todo lugar, o governo vai tentar contratar brigadistas e não vai conseguir, porque não vai ter Orçamento”, diz. “É um governo que tem cortado Orçamento para indígenas, quilombolas.”
O Ibama informou que o corte foi feito em verbas acrescentadas pelos parlamentares via emenda de comissão, sem impactar a proposta original do governo, encaminhada em agosto de 2021.
O órgão não comentou o fato de a dotação final ter ficado abaixo de 2021. O Ibama disse que os detalhes do Orçamento “só poderão ser analisados após a liberação dos valores” no sistema integrado do governo federal.
Bolsonaro ainda vetou R$ 1,6 milhão da verba de demarcação de terras e proteção de povos indígenas, ações executadas pela Funai (Fundação Nacional do Índio).
Outros R$ 171,9 mil foram subtraídos de dotações do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) para reconhecimento de territórios quilombolas e consolidação de assentamentos rurais.
Também foram cortados R$ 162,7 milhões em recursos previstos para funcionamento, apoio a projetos e pesquisas conduzidas por hospitais universitários geridos pela Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares).
A Ebserh é vinculada ao Ministério da Educação, uma das pastas mais atingidas pela tesourada de Bolsonaro. Além dos hospitais, foram cortados R$ 499 milhões do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).
“Os vetos do presidente atingem duas áreas estratégicas das políticas públicas. Primeiro os cortes que são feitos na área da educação, num momento em que as pesquisas apontam um déficit de aprendizado dos alunos da educação básica brasileira, nós precisamos reforçar o orçamento da educação básica”, afirmou o deputado Danilo Cabral (PSB-PE).
“E o governo cortou esse Orçamento, como também cortou o Orçamento da área de pesquisa, de ciência, que também é necessária e estratégica neste momento da pandemia.”
Houve vetos de quase R$ 112 milhões a ações direcionadas a esportes. Para o presidente da Comissão do Esporte da Câmara dos Deputados, Felipe Carreras (PSB-PE), o corte evidencia o tratamento do governo ao setor no país.
“Com o veto às emendas de comissão, ficou comprometida uma fatia considerável de verba para o setor, que atenderia à infraestrutura, preparação do alto rendimento, e desenvolvimento de atividades e apoio a projetos e eventos de esporte, educação, lazer e inclusão social”, afirmou.
“Nos resta trabalhar pela derrubada dos vetos e, novamente, mostrar ao governo federal o quanto é injusto negligenciar o esporte brasileiro, que segue no fim da fila de prioridades.”
As alterações, aprovadas por meio da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos Precatórios, abriram uma margem fiscal de R$ 113,1 bilhões, sendo R$ 110 bilhões apenas ao Poder Executivo, segundo parecer do relator-geral do Orçamento, deputado Hugo Leal (PSD-RJ).
A PEC recebeu sinal verde dos congressistas a pretexto de ampliar os programas sociais do governo, mas a IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado tem alertado que o dinheiro acabou servindo também a interesses políticos de aliados do governo.
Além das emendas de relator, o Congresso aprovou o maior fundo eleitoral para campanhas da história: R$ 4,9 bilhões. O governo ainda entende que precisará ampliar esse valor a R$ 5,7 bilhões para cumprir a regra da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) que definiu esse montante.
“O Orçamento sancionado apenas reforça o cenário de deterioração das regras e processos típicos da alocação de recursos públicos. A virada de mesa no teto de gastos é o que está por trás de tudo. Tanto é assim que o espaço aberto não foi para o Auxílio Brasil apenas. Foi para emendas de relator-geral, previsão de reajustes salariais, entre outros”, diz o diretor-executivo da IFI, Felipe Salto.