Não só a sociedade civil, como a comunidade médica reprovam a sabotagem do Ministério da Saúde
Se não bastasse o fato de que, com quase dois anos de pandemia, o País segue sem uma recomendação oficial de como tratar pacientes com covid, o Ministério da Saúde insiste em promover tratamentos com ineficácia comprovada e sabotar a principal arma contra o vírus. Uma nota “técnica” da pasta defendeu a eficácia da hidroxicloroquina e negou a segurança e a efetividade das vacinas. Ou seja: não é só omissão, não é só incompetência, é perversidade.
Em carta de repúdio, mais de 45 mil professores, pesquisadores e profissionais de saúde se disseram “perplexos” ante “a vasta lista de estultices” compiladas na nota, afirmando que a pasta “transgride não somente os princípios da boa ciência, mas avança a passos largos para consolidar a prática sistemática de destruição de todo um sistema de saúde”.
A Academia Brasileira de Ciências, a Ordem dos Advogados do Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e a Associação Brasileira de Imprensa criticaram esse “circo da insensatez”, em especial a “campanha de sabotagem” da vacinação pediátrica, “desprezando o direito à vida e à saúde de uma faixa etária com cerca de 69 milhões de brasileiros”.
Esses cientistas, juristas, jornalistas e clérigos representam a maioria da população que, contra as investidas do Planalto, aderiu massivamente aos protocolos sanitários e às vacinas. Ainda assim, impressiona a capacidade de Jair Bolsonaro não só de resistir aos consensos científicos e ao mais comezinho bom senso, mas de corromper profissionais outrora reputados.
O ministro Marcelo Queiroga foi presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Não se chega a essa posição sem provas de competência e perícia. Por isso, sua cumplicidade com a disseminação de informações fraudulentas para satisfazer as taras ideológicas de Jair Bolsonaro é ainda mais deletéria que a pusilanimidade de seu antecessor, o intendente Eduardo Pazuello. Assim, são louváveis as iniciativas de seus pares para dar um basta a essas sandices, como o pedido de impeachment do ministro ajuizado pelo Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro no Congresso ou a solicitação dos ex-secretários de Saúde do Município de São Paulo de um processo ético-profissional no Conselho Federal de Medicina.
Quem presta o juramento de Hipócrates se compromete a aplicar tratamentos para o bem dos doentes segundo seu “poder e entendimento”, nunca “para causar dano ou mal a alguém”, e a não dar “por comprazer” (e muito menos, vai implícito, por ambição política) “nem remédio mortal nem conselho que induza a perda”. A quem for fiel a esses preceitos, reza o juramento, que lhe seja dado “gozar felizmente da vida” e da sua “profissão”, “honrado para sempre entre os homens”. Mas, se deles se “afastar ou infringir, o contrário aconteça”.
Espera-se que os representantes do povo e os da classe médica sejam veículos dessas expectativas milenares e retribuam com a desonra o opróbrio que a fidelidade do ministro à necropolítica de Bolsonaro atrai para toda a população brasileira.