Crescimento de desabrigados impõe um duplo desafio à sociedade’

By | 27/01/2022 6:59 am
As vítimas da crise moral

O crescimento de desabrigados impõe um duplo desafio à sociedade: fomentar a cultura da solidariedade e cobrar de seus representantes eleitos políticas sociais robustas

(Editorial dO Estadão, 27 de janeiro de 2022)
Nos últimos dois anos, a população em situação de rua na cidade de São Paulo cresceu 31%, conforme o Censo da Prefeitura. Nas zonas sudeste e sul, o número mais do que dobrou. Na Subprefeitura da Mooca o aumento chegou a 170%. O Censo aponta um crescimento de 330% de locais com moradias improvisadas. A quantidade de pessoas abordadas acompanhadas de um integrante da família aumentou de 20% para 28,6%, o que mostra um perfil mais familiar das pessoas em situação de rua. O retrato da maior e mais rica metrópole do Brasil é apenas um relance de uma desgraça que se alastra por todo o País.

As causas são multidimensionais. Há o drama de fundo civilizacional, não só no Brasil, de uma cultura individualista que degrada as relações familiares. Há a desigualdade histórica radicada nas estruturas socioeconômicas nacionais. Há a crise econômica precipitada pelo governo Dilma Rousseff e agravada pelo governo Jair Bolsonaro. E há, claro, o impacto da pandemia – também agravado por Bolsonaro.

A insensibilidade do governo ante a tragédia, acompanhada em tempo real, de centenas de milhares de brasileiros vitimados pelo vírus despertou reações contundentes na mídia e na arena política, por exemplo, com a CPI da Covid.

Mas, enquanto a epidemiologia estima que em 2022 a pandemia tende a ser dissipada, seus impactos socioeconômicos, muito mais difusos, devem perdurar por anos. Hoje, mais de 20 milhões de brasileiros se alimentam dia sim, dia não; 5 milhões de crianças vão dormir com fome. Com muito menos representatividade, as vítimas da miséria tendem a ser absorvidas nas estatísticas e amortizadas como um fato “natural” do “novo normal”.

Tal como a causa da catástrofe é multidimensional, assim deve ser a sua solução. Há o desafio cultural do resgate da família como alicerce da sociedade. Há também o apelo à solidariedade. Sob o impacto da primeira onda da pandemia, as ações humanitárias cresceram espetacularmente. Segundo o Grupo de Instituições e Fundações de Empresas, os investimentos sociais das empresas sofreram mesmo uma mudança de perfil e o combate à fome e à pobreza entrou com mais força no rol de prioridades. Ainda assim, em comparação com outros países, os indicadores de filantropia no Brasil permanecem medíocres e, desde 2020, a curva de doações se achatou.

Mas, acima de tudo, há responsabilidade do Poder Público. A amplificação e a intensificação dessa tragédia anônima, silenciosa e difusa têm relação direta com uma mentalidade anticidadã cujo epicentro é o Palácio do Planalto. Na virada de 2020 para 2021, no pico da crise sanitária e econômica, o auxílio emergencial sofreu um apagão, enquanto o presidente passeava pelo litoral e os congressistas, em recesso, negociavam a troca da liderança do Senado e da Câmara.

Hoje, enquanto toda uma nova população de famélicos e desabrigados circula de mãos abanando pelas ruas do País, nos corredores do Congresso os representantes do povo consomem seu tempo discutindo o rateio do butim orçamentário. As disputas por pedaços dos recursos da República para satisfazer interesses corporativistas, clientelistas e patrimonialistas expõem imensas parcelas da classe política incapazes de estabelecer verdadeiras prioridades, de deliberar políticas públicas para garantir condições mínimas de moradia e alimentação e de preservar recursos para gastos e investimentos sociais.

Assim como em outras áreas da administração pública, na questão social não há nada a esperar do governo Bolsonaro. O melhor que as forças cívicas podem fazer é uma política de redução de danos. A responsabilidade dos governos regionais aumenta exponencialmente. Mas é preciso que o drama dos vulneráveis entre com força nos debates eleitorais. O eleitorado precisa se imunizar contra a demagogia de candidatos que estão entre os grandes responsáveis por essa tragédia humanitária, sobretudo os próceres do lulopetismo e do bolsonarismo, e promover uma cobrança sem trégua por políticas sociais sustentáveis àqueles que se postulam como candidatos da renovação.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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