O próximo presidente terá imenso trabalho para resgatar o Orçamento, hoje refém de interesses de parlamentares que exploram a pusilanimidade de Bolsonaro
O sequestro do Orçamento não é um fenômeno exatamente novo. Tudo começou em 2013, ainda na gestão Dilma Rousseff, quando o Senado aprovou uma proposta que tornou impositiva a execução das emendas parlamentares individuais em um momento de crescente desgaste nas relações entre os Poderes. Na época, o Executivo empenhava as emendas, mas não liberava os pagamentos e privilegiava, evidentemente, as de autoria de congressistas do PT. Enquanto pôde, a base do governo conseguiu segurar o avanço dessa proposta, mas em 2015, assim que Eduardo Cunha assumiu o comando da Casa, a primeira emenda constitucional aprovada pelos deputados foi justamente a do Orçamento impositivo. Numa política de redução de danos, a gestão petista conseguiu assegurar que metade delas fosse destinada à saúde.
Se o início do problema remete a Dilma, a degradação da formulação do Orçamento teve um enorme impulso após a eleição de Bolsonaro. Estimulados pela jactância do ministro da Economia, Paulo Guedes, que se recusou a participar da elaboração da peça orçamentária no fim de 2018, o Congresso fez o que quis do péssimo slogan de campanha “mais Brasil, menos Brasília”, supostamente uma tentativa de descentralizar o uso de recursos pela União e elevar a autonomia de Estados e municípios.
Como não há vácuo de poder, quando alguém se recusa a exercer as funções para as quais foi escolhido – caso de Bolsonaro, que nada produziu na Câmara e hoje é figura decorativa na Presidência –, outros o fazem. Foi o que o Congresso fez em 2019, ao aprovar duas emendas constitucionais que tornaram obrigatória a execução das emendas de bancada, de autoria coletiva, e das transferências diretas a Estados e municípios, conhecidas como “emenda pix” ou “emenda cheque em branco” por sua finalidade indefinida e não sujeita à fiscalização. Não satisfeito, o Legislativo criou ainda, por meio de uma alteração na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), as emendas de comissão e as emendas de relator-geral, base do orçamento secreto, um esquema para assegurar apoio ao governo revelado pelo Estadão. No teatro que vem sendo encenado por Bolsonaro e pelo Congresso há três anos, entre vetos presidenciais mantidos e derrubados, a execução dessas despesas jamais foi bloqueada.
Nesse contínuo processo de degradação, o País chega a 2022 com um Orçamento que tem a cara de Bolsonaro: engessado por despesas obrigatórias e emendas paroquiais de R$ 35,6 bilhões, uma verdadeira orquestra de horrores regida pela batuta de um dos maiores líderes do Centrão, Ciro Nogueira (PP-PI). “O Parlamento está muito bem atendido conosco”, disse Bolsonaro, orgulhoso de seu próprio desleixo com o uso do dinheiro público.
De fato, os congressistas não têm do que reclamar. A população que lide com os cortes em saúde, educação e infraestrutura em meio a uma crise em que não há crescimento nem emprego, mas não faltam recursos para comprar tratores superfaturados ou para conceder reajuste às forças de segurança, tudo em nome de votos. Caberá ao próximo presidente o desafio de reconstruir a relação entre Executivo e Legislativo sob outras bases que não a do clientelismo. Sendo a economia a ciência das escolhas e a escassez de recursos uma realidade inexorável, as prioridades devem ser baseadas no interesse da coletividade. Pelo futuro do País, o resgate do Orçamento pelo governo é que deveria ser obrigatório, não as emendas.