O Congresso também resiste
Seguindo o exemplo do Judiciário, o Congresso fez contundente defesa da democracia. Bolsonaro está isolado em sua ameaça contra o processo eleitoral
Um dia depois da contundente defesa da democracia e do sistema eleitoral por parte da cúpula do Judiciário, os presidentes do Senado e da Câmara também rechaçaram qualquer possibilidade de contestação das eleições de outubro. Os discursos na abertura do Ano Judiciário e do Ano Legislativo mostram que a ameaça de Jair Bolsonaro contra as eleições não foi esquecida ou relevada. Confirmam também o total isolamento do chefe do Executivo federal em seu intento liberticida. Nem mesmo o fiel aliado do governo federal Arthur Lira, presidente da Câmara, deseja dar trela a esse delírio bolsonarista.Ao afirmar que um dos desafios do ano de 2022 será a “defesa da democracia”, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, alertou para a necessidade de estar vigilante “contra a mínima insinuação de investida autoritária” no País. No dia anterior, o presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, tinha dito que “as agendas da estabilidade democrática e da preservação das instituições políticas do País” são uma das prioridades da pauta de julgamentos da Corte neste ano. É sintomático que as autoridades explicitem de forma tão incisiva sua preocupação com a democracia. Trata-se de um ambiente completamente diferente ao que se viu nas eleições anteriores.
Jair Bolsonaro conseguiu de fato retroceder a pauta institucional do País. O presidente do Senado precisou até mesmo lembrar que, na democracia, os perdedores aceitam a derrota. “Num ano de eleições gerais, caberá ao povo escolher bem seus representantes; aos vencedores, fazer de seu mandato um verdadeiro serviço; e aos perdedores, respeitar o resultado das urnas”, disse.
Ao alertar sobre os perigos que rondam atualmente a democracia, Rodrigo Pacheco citou uma das práticas habituais do bolsonarismo, a difusão de desinformação pelas redes sociais. “É fundamental garantir que o processo eleitoral não seja afetado por manipulação, por disparos que gerem desinformação”, lembrou.
Por sua vez, o presidente da Câmara, Arthur Lira, explicitou que até mesmo o seu alinhamento com o Palácio do Planalto – que assegura fartos nacos do Orçamento Federal a seus interesses políticos – tem limites. Não pactuará com retrocessos antidemocráticos. “Quero ressaltar que, independentemente da conjuntura futura, o que o Brasil conseguiu aqui é definitivo. E como Poder mais transparente e democrático da República não permitiremos retrocessos discricionários e quiçá imperiais”, disse Lira.
Perante esse cenário, é de justiça reconhecer o absoluto isolamento de Jair Bolsonaro quando o tema é a ameaça contra o processo eleitoral. A atual legislatura tem muitos defeitos. Têm sido frequentes, por exemplo, as ocasiões de flerte do Congresso com a irresponsabilidade fiscal, com o populismo irracional e com a manutenção de privilégios. No entanto, mesmo com todas essas deficiências graves, o Legislativo não quer nenhuma proximidade com a ameaça de Jair Bolsonaro de que, dependendo do resultado das eleições de outubro, poderá não aceitá-lo, em uma ridícula imitação da tentativa de golpe protagonizada por Donald Trump nos Estados Unidos.
Eis a conclusão inexorável. Mesmo a pior legislatura é muito melhor do que Jair Bolsonaro. Mesmo a composição atual do Congresso, que não deixará nenhuma saudade, é mais comprometida com o regime democrático do que o atual chefe do Executivo federal.
Diante da leviandade bolsonarista, atiçando por antecipação a turba para que não respeite a vontade a ser expressa nas urnas, é preciso recordar um elemento fundamental do Estado Democrático de Direito. Os ataques contra a democracia são passíveis de punição. Como disse o presidente do Senado, “esperemos (das instituições da República) a fiscalização e punição daqueles que atentem contra o processo eleitoral”.
A linha foi traçada. Não haverá tolerância com quem atentar contra o regime democrático e o sistema eleitoral. Jair Bolsonaro pode iludir-se achando que é imune ou que a lei não o atinge. Mas o Judiciário e o Legislativo alertaram que não é bem assim. Os atos têm consequências.