Em 15 dias de campanha, Brasil teria capacidade instalada para imunizar 75% do público-alvo, mas aplicou 1ª dose em apenas 10% do grupo de 5 a 11 anos; neste ritmo, campanha levará seis meses
(Texto e Dados: Mariana Hallal / Infografia: Bruno Ponceano, 04 de fevereiro de 2022)
A aplicação de vacinas contra a covid-19 em crianças de cinco a 11 anos avança em ritmo lento no País. Desinformação, problemas de planejamento e escassez de imunizantes dificultam o avanço da campanha, iniciada só um mês depois da aprovação das autoridades sanitárias. Levantamento feito pelo Estadão junto aos governos estaduais mostra que, até a última segunda-feira (31), cerca de 1,9 milhão de crianças tinham sido vacinadas no Brasil — o que equivale a 10% do público-alvo.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse em mais de uma oportunidade que o Sistema Único de Saúde (SUS) tem capacidade para vacinar 2,4 milhões de pessoas por dia. Há salas de vacinação e profissionais suficientes para isso e o número já foi batido diversas vezes durante a campanha de imunização contra a covid-19. Considerando que o Brasil vem aplicando metade disso, cerca de 1,2 milhão de doses por dia, há espaço para vacinar mais de um milhão de crianças diariamente. No entanto, a média dessas primeiras duas semanas de campanha é de 130 mil vacinas aplicadas por dia no público infantil. Os números foram informados pelos Estados – pode haver defasagem por causa da demora entre a aplicação da vacina e o registro no sistema.
A falta de vacinas é um dos principais motivos para a lentidão na campanha — até esta terça-feira, 1º, o governo federal tinha distribuído 8 milhões de doses para imunizar as 20 milhões de crianças brasileiras. Esse foi o fator que fez a campanha infantil começar atrasada no País: as primeiras doses só chegaram na maioria das cidades em 17 de janeiro, um mês após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovar o uso da vacina pediátrica da Pfizer.
O contrato do governo com a farmacêutica americana, assinado no fim de novembro, prevê a entrega de 20 milhões de doses da vacina entre os meses de janeiro e março. Isso é suficiente para aplicar as duas doses em apenas metade do público-alvo. No cenário de falta de imunizantes, algumas cidades têm adotado critérios específicos e priorizado crianças mais velhas ou com comorbidades.
Já a Coronavac, vacina contra a covid fabricada no Brasil pelo Instituto Butantan, foi aprovada pela Anvisa para uso em crianças de seis a 11 anos em 20 de janeiro. Isso não transformou o cenário nos Estados, já que a maioria tem baixo estoque do imunizante. As exceções são o Distrito Federal e São Paulo, locais onde há doses suficientes para vacinar todo o público infantil — e que lideram o ranking. O Ministério da Saúde afirmou ter seis milhões de doses em estoque e estima haver mais três milhões com os Estados. Se as projeções estiverem corretas, o total é suficiente para imunizar cerca de 4,5 milhões de crianças. Outras 5,5 milhões ainda não têm vacina garantida.
Nesta semana, o Ministério da Saúde consultou o Butantan sobre a possibilidade de encomendar mais dez milhões de doses da vacina. O instituto diz ter o quantitativo à pronta entrega e afirmou que pode fornecer outras 20 milhões de doses em um prazo de até 25 dias após a assinatura do contrato. O acordo ainda não foi firmado. O último contrato entre as duas partes encerrou em setembro e não foi renovado pela gestão Bolsonaro. A última grande remessa de Coronavac foi enviada aos Estados e ao Distrito Federal em 16 de setembro.
Além da falta de doses, que já paralisou a vacinação em cidades como o Rio de Janeiro, a desinformação trava a campanha de imunização infantil. A divulgadora científica Ana Arnt, professora do instituto de biologia da Unicamp e coordenadora do Blog de Ciência da universidade, acompanha a disseminação de informações falsas nas redes sociais e diz que a situação tem piorado. “A quantidade de informações erradas e a crueldade delas (fake news) estão muito maiores do que no ano passado”, afirma.
Ela diz que a desinformação gerada pelos movimentos antivacina estão muito mais sofisticadas e as reações adversas — raríssimas — são um dos principais focos. Se no ano passado notícias falsas diziam que o imunizante injetaria um chip em você, hoje elas falam que a vacina pode causar miocardite ou mal súbito nas crianças. “O movimento antivacina se alimenta dessa hesitação com crianças desde os anos 2000”, afirma.
Arnt também culpa o governo federal pela baixa adesão à campanha de vacinação. Ela afirma que as propagandas do Ministério da Saúde direcionadas ao público infantil colocam um “ponto de interrogação” e “incentivam a hesitação vacinal”. As publicações da pasta nas redes sociais dizem que a vacinação de crianças “é uma escolha dos pais e responsáveis” e precisa de autorização.
O órgão não incentiva a vacinação das crianças de maneira direta em seus canais de comunicação. “É o que a gente chama de incentivar a hesitação vacinal, o que é muito sério e inédito em nosso País”, diz a professora. O próprio presidente Jair Bolsonaro tem colocado em xeque a segurança e a eficácia das vacinas – na contramão do que dizem as entidades científicas – e já disse que não levará a filha, de 11 anos, para receber a proteção.
O médico Guilherme Werneck, doutor em Saúde Pública e Epidemiologia pela Universidade de Harvard (EUA), afirma que tanto a Coronavac quanto a Pfizer foram aplicadas em milhões de crianças de vários países e os efeitos colaterais são raríssimos. “O risco que a criança tem de desenvolver um problema pela vacinação é ínfimo em relação ao risco de ser hospitalizada e morrer de covid. O custo benefício é excelente. Não tem nenhum motivo para não vacinar as crianças”, diz.
Últimas a serem incluídas no plano de vacinação, as internações e mortes de crianças de cinco a 11 anos vêm crescendo no Brasil. Entre adolescentes e adultos, esses índices estão em queda. Desde o início da pandemia, mais de 11 mil crianças de cinco a 11 anos já foram internadas em razão da covid. O País já soma 591 mortes pela doença nessa faixa-etária.
O índice de mortes por covid-19 entre crianças é baixo se comparado ao observado em adultos, mas Werneck ressalta que isso é esperado. “Morrem sempre menos crianças do que adultos. Criança é para estar viva mesmo”, pondera.
O epidemiologista critica a desorganização do governo federal em relação à vacinação infantil e diz que estamos tendo problemas parecidos com aqueles enfrentados no início da campanha de imunização, em janeiro de 2021, como falta de preparo e até de vacinas. “Isso reflete o desmantelamento do Programa Nacional de Imunizações (PNI)”, afirma. O PNI teve a nova coordenadora – Samara Carneiro – nomeada após seis meses com o cargo vago. Procurado, o ministério não comentou as críticas sobre a falta de incentivo à vacinação ou a compra de imunizantes.
Veja abaixo a linha do tempo da vacinação infantil no Brasil. O gráfico mostra o número acumulado de mortes de crianças de cinco a 11 anos.
Países vizinhos estão mais avançados na vacinação infantil
Em comparação aos países vizinhos que aprovaram o uso de vacinas infantis, o Brasil está atrasado. Até a última sexta-feira, o Chile já tinha vacinado 76,9% das crianças de três a 11 anos. Foram justamente os dados da vacinação no país andino, onde a aplicação da Coronavac em crianças começou em setembro, que embasaram a decisão da Anvisa para liberar o produto na faixa entre cinco e 11 anos no Brasil. Os estudos mostraram a eficácia e a segurança da vacina na campanha chilena.
Na Argentina, 72,3% da população entre cinco e 11 anos de idade tomaram a primeira dose. O Uruguai e a Colômbia também vacinaram mais que o Brasil.