Vaudeville tributário (com comentário)

By | 05/02/2022 6:20 am

Para salvar a reeleição, o governo e seus aliados fazem o País gastar tempo com um debate inconsequente sobre a redução de impostos de combustíveis e eletrodomésticos

O desespero do governo para tentar dar alguma competitividade à cambaleante candidatura de Jair Bolsonaro à reeleição ultrapassou todos os limites e pode custar mais de R$ 100 bilhões aos cofres públicos.

Depois de fazer o País perder semanas discutindo uma forma de baratear o preço dos combustíveis, o ministro da Economia, Paulo Guedes, dobrou a aposta ao propor a redução linear das alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em um índice entre 15% e 30%. Nem parece que o governo central registrou um déficit primário de R$ 35,073 bilhões em 2021. Quem semeia ventos colhe tempestades, e Guedes, agora, terá que lidar com o furacão que ele mesmo ajudou a criar.

Nesse vaudeville tributário, se o próprio ministro da Economia dá exemplo de desleixo com as contas públicas, o Centrão evidentemente se refestela. É o caso do deputado Christino Áureo (PP-RJ), que protocolou a mais perfeita tradução do significado de uma bomba fiscal. Redigida na Casa Civil de Ciro Nogueira, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada pelo parlamentar autoriza a redução de todos os impostos federais sobre os combustíveis e dispensa a compensação pelas perdas, calculadas em R$ 54 bilhões. É mais que todo o valor destinado a investimentos no Orçamento deste ano, de R$ 42,3 bilhões. Para constranger os governadores, o projeto permite que os Estados cortem o ICMS também sem adotar contrapartidas. O texto possibilita ainda a diminuição de IPI, Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre todo e qualquer produto sem fazer qualquer estimativa de impacto.

O Senado, por sua vez, subiu a régua dessa competição que premiará a pior proposta tributária do ano. Apelidado por técnicos da equipe econômica como “PEC Camicase”, o projeto do senador Carlos Fávaro (PSD-MT) é ainda mais amplo que o da Câmara. Além de diminuir impostos sobre combustíveis, o texto inclui o pagamento de um auxílio-diesel mensal de R$ 1.200 a caminhoneiros autônomos por dois anos e destina R$ 5 bilhões a Estados e municípios para subsidiar o transporte público e evitar um tarifaço. O projeto também aumenta o número de famílias que fazem jus ao benefício do vale-gás e amplia o subsídio dos atuais 50% para 100% do valor do botijão. A renúncia pode superar R$ 100 bilhões.

Frise-se que os planos suicidas de corte de tributos que agora dominam as páginas dos cadernos de economia dos jornais vieram do governo e de sua base no Congresso, não da oposição. Há alguns dias, como se Guido Mantega fosse, Guedes defendia a redução do IPI sobre eletrodomésticos. Além disso, vários ministros apoiavam o fundo de estabilização dos combustíveis, ideia em discussão há pelo menos quatro anos, sempre descartada em razão do altíssimo custo e dos resultados pífios sobre o preço final ao consumidor. Para surpresa de todos, coube a Bolsonaro recuar. Na abertura do Ano Legislativo, o presidente pediu aos parlamentares que lhe dessem “poderes” para isentar o diesel – nenhuma palavra sobre a gasolina. Segundo a equipe econômica, a redução de impostos se daria por meio de um projeto de lei complementar e teria impacto de “apenas” R$ 19 bilhões.

É tudo barulho, espuma e desespero pela reeleição. O Executivo desperdiçou a oportunidade de aprovação de uma reforma tributária ampla no Legislativo porque o único projeto de Guedes era recriar a infame Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Bolsonaro, por sua vez, quer apenas manter o discurso vitimista, segundo o qual tenta governar, mas o Congresso e o “sistema” – que é como os teóricos da conspiração se referem às instituições democráticas – não permitem. Fato é que nenhuma dessas discussões, que bagunçam o País e só se prestam a angariar votos de incautos, deve ser levada a sério. Ao patrocinar essas discussões, Guedes abriu a porteira da irresponsabilidade. Fechá-la demandará liderança e articulação política, algo que Bolsonaro nunca teve.

Nossa opinião

  • Está todo mundo querendo aparecer. “Vaudeville” é um tipo de dança muito comum em cabarés franceses e americanos em que as dançarinas fazem tudo para aparecer, mostrando quase tudo. (LGLM)

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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