O Supremo – e a lei – sob ataque
O descumprimento pelo Congresso de decisão judicial sobre a publicidade das emendas de relator é parte do retrocesso institucional instaurado pelo bolsonarismo
Inédita desde a redemocratização do País, essa atitude de confronto por parte do presidente da República contra o Judiciário expressa-se de diversas maneiras. Por exemplo, Jair Bolsonaro fala abertamente em deturpar o funcionamento do STF, prometendo usar as indicações presidenciais tanto para diminuir a independência da Corte como para aparelhá-la ideologicamente. Para piorar, Jair Bolsonaro apresenta esse aparelhamento do Judiciário como uma espécie de diferencial eleitoral. Só o bolsonarismo estaria disposto a realizar esse enviesamento ideológico e negacionista do Supremo.
Trata-se de desavergonhada promoção do retrocesso institucional. Ignorando a Constituição, Jair Bolsonaro trata o Supremo como mero ator político – e ainda subalterno ao Executivo. Essa manipulação não é apenas um erro teórico. Ela gera graves prejuízos ao País. Depois que o lulopetismo instalou a divisão do “nós contra eles”, o bolsonarismo tenta agora inserir o Supremo na mesma odiosa polarização.
Tem-se, assim, um cenário de desrespeito ao Estado Democrático de Direito, em especial a um de seus mais importantes elementos: o sistema de freios e contrapesos, que regula todo o funcionamento dos Poderes. O problema não se resume, portanto, à pretensão de Bolsonaro de agir fora dos limites constitucionais, o que por si só é grave. Sob a égide da bagunça bolsonarista – como se tudo fosse mera política, como se tudo ao final dependesse não das regras institucionais, mas da esperteza de cada um –, o peso da lei e, por consequência, o peso das decisões judiciais perdem importância.
Veja-se, por exemplo, o descumprimento pelo Congresso da decisão do STF sobre a publicidade do repasse das verbas públicas envolvendo as emendas de relator, como mostrou o Estadão. Após a revelação, no ano passado, por este jornal, do esquema do orçamento secreto – dinheiro público era usado para atender a interesses políticos discricionários, sem a devida transparência –, o Supremo determinou, entre outras medidas, que o Legislativo devia informar o nome do parlamentar que apresentou o pedido de verba. Trata-se de informação essencial numa democracia.
No entanto, o Congresso não vem cumprindo integralmente a determinação do Supremo. Por exemplo, entre 13 e 31 de dezembro do ano passado, o relator-geral do Orçamento, senador Márcio Bittar (PSL-AC), registrou no site do Congresso indicações no valor de R$ 4,3 bilhões, mas em 48% dos repasses os nomes dos parlamentares que apadrinharam esses pedidos não foram apresentados.
Além disso, as informações incluídas por Márcio Bittar não cobriram a totalidade do valor empenhado no período para as emendas de relator, da ordem de R$ 6,6 bilhões. Ou seja, além de a publicidade sobre R$ 4,3 bilhões ser incompleta, também não se sabe como ocorreu o repasse em relação a outros R$ 2,3 bilhões, se foram parlamentares que apresentaram os pedidos de repasse ou se foi o Executivo federal quem definiu o destino desses recursos.
É muito dinheiro público gasto sem a devida transparência. Ainda que fosse apenas um centavo, é muito descaramento essa parcial divulgação dos dados exigidos pelo Supremo. Num Estado Democrático de Direito, decisão judicial deve ser cumprida, e ponto final.
Engana-se quem pensa que os ataques de Jair Bolsonaro contra o Supremo e o descumprimento do Congresso de decisão da Corte são fenômenos independentes. A malemolência do Legislativo em dar plena publicidade aos dados das emendas de relator é parte do retrocesso institucional instaurado pelo bolsonarismo. É urgente restaurar o valor do STF – e da lei.