Em ata, Copom ainda reafirmou a projeção de que o IPCA deve ficar acima do teto de 5% este ano
Enquanto o governo e o Congresso Nacional se debruçam sobre diversos textos possíveis para uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reduza os impostos sobre combustíveis e energia, o Banco Central alertou nesta terça-feira, 8, que o tiro pode sair pela culatra. Na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o colegiado chama a atenção para medidas que na verdade podem contribuir para deteriorar o cenário fiscal, levando a um aumento das projeções de inflação logo à frente.
“O Comitê nota que mesmo políticas fiscais que tenham efeitos baixistas sobre a inflação no curto prazo podem causar deterioração nos prêmios de risco, aumento das expectativas de inflação e, consequentemente, um efeito altista na inflação prospectiva”, destacou o BC.
Hoje, há três propostas com mais força. A do Senado, além de reduzir os tributos sobre combustíveis, cria um vale diesel para caminhoneiros, dá subsídio para tarifas de ônibus e amplia o vale gás. O impacto total, segundo integrantes da equipe econômica, supera R$ 100 bilhões. O custo da proposta da Câmara, que prevê a redução de impostos sobre combustíveis em 2022 e 2023 é a metade, R$ 50 bilhões. Já a equipe econômica defende apenas a desoneração sobre o diesel, com impacto entre R$ 17 bilhões e R$ 18 bilhões.
Na semana passada, o Copom elevou a Selic em 1,50 ponto porcentual, de 9,25% para 10,75% ao ano. Na ata de hoje, o comitê fez um parágrafo maior sobre os riscos fiscais, reforçando que a incerteza em relação ao futuro do arcabouço atual continua elevando prêmios de risco e elevando o risco de uma desancoragem das expectativas de inflação.
“O Copom reitera que o processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para o crescimento sustentável da economia. Esmorecimento no esforço de reformas estruturais e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia”, repetiu o colegiado.
Novo estouro da meta
Assim como no comunicado após a decisão da semana passada, a ata volta a dizer que o Copom acredita que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), inflação oficial do País, deve ficar acima do teto de 5% neste ano, o que representará, se confirmado, o estouro da meta de inflação pelo segundo ano consecutivo.
Pelas projeções do BC, a inflação deverá fechar o ano em 5,4%. Economistas do mercado financeiro estimam inflação ainda maior este ano, em 5,44%. O objetivo a ser perseguido pelo Banco Central este ano é de 3,50%, com tolerância de 2,0% a 5,0%.
Mesmo assim, o Copom também indicou que o próximo aumento da taxa básica de juros, em meados do mês de março, será menor. “Em relação aos seus próximos passos, o Comitê antevê como mais adequada, neste momento, a redução do ritmo de ajuste da taxa básica de juros”, afirmou o colegiado na ata.
Na reunião da semana passada, o aumento foi de 1,5 ponto percentual, para 10,75% ao ano. Para o próximo encontro, em meados de março, a previsão do mercado financeiro, até o momento, é de que a elevação da taxa Selic será de um ponto percentual, para 11,75% ao ano.
Segundo o BC, políticas fiscais que impliquem impulso adicional da demanda agregada ou piorem a trajetória fiscal futura podem impactar negativamente preços de ativos importantes e elevar os prêmios de risco do país.
“O Comitê avalia que a incerteza em relação ao arcabouço fiscal segue mantendo elevado o risco de desancoragem das expectativas de inflação e, portanto, a assimetria altista no balanço de riscos. Isso implica maior probabilidade de trajetórias para inflação acima do projetado de acordo com o cenário de referência”, repetiu a ata, como no comunicado.
Mesmo assim, o BC manteve seu balanço de riscos com fatores em ambas as direções. O Copom voltou a citar que uma possível reversão, ainda que parcial, do aumento nos preços das commodities internacionais (produtos básicos, como petróleo e minério de ferro) em moeda local “produziria trajetória de inflação abaixo do cenário de referência”, de 5,4% em 2022 e 3,2% em 2023.
Redução do ritmo não significa fim das altas
A ata do Copom não poupou recados e mostrou que o colegiado não está pronto para parar o aumento da Selic. A ata corrigiu o tom do comunicado da decisão deste mês e mostrou que a intenção de tirar o pé do acelerador no processo de alta da Selic não significa o fim do ciclo no próximo encontro, nos dias 15 e 16 de março.
O documento do BC deixou claro que a intenção do colegiado em reduzir o ritmo de ajuste monetário a partir de março não significa encerrar o ciclo de aumento de juros no próximo encontro. A diretoria do BC citou explicitamente “ajustes adicionais”, sem revelar, entretanto, a magnitude desses movimentos à frente.
O BC deixou uma margem para lidar com as incertezas do cenário e por isso não se comprometeu a um movimento específico. É bom lembrar que o atual ciclo em nenhum momento foi suave, já começando com altas de 0,75 p.p, seguidas por elevações de 1 p.p. até chegar ao ritmo atual de 1,50 p.p..
Ao mesmo tempo, a ata sinalizou que o mercado segue atrás da curva desenhada pelos modelos do BC, que pode estar mirando uma taxa terminal de juros mais elevada do que a das projeções que compõem o cenário básico utilizado pelo Copom – pelas quais a Selic sobe para 12% a.a. no primeiro semestre de 2022, termina o ano em 11,75% a.a. e reduz-se para 8,00% a.a. em 2023.
“Vale notar que os cenários considerados, consistentes com a convergência da inflação para suas metas, pressupunham trajetória da taxa de juros superior às utilizadas no cenário de referência”, detalhou o documento.
Por fim, o BC retomou a cruzada fiscal ao alertar que ainda que sejam adotadas medidas benéficas para a inflação no curto prazo, esse artificialismo pode renovar as desconfianças do mercado sobre o compromisso de ajuste das contas públicas, levando a um aumento da inflação no curto prazo. A ata não precisou mencionar, mas o recado dado diz respeito à PEC dos Combustíveis que, a depender dos diversos formatos debatidos entre governo e Congresso, pode ser tornar a nova “bomba fiscal” brasileira, nas palavras do próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, em entrevista ao Estadão publicada hoje.