O componente político da inflação
Incerteza fiscal e expectativas de inflação – justificativas da alta de juros – têm como grande fonte a açãopresidencial
Incertezas sobre o futuro das contas públicas afetam as expectativas de inflação. Atitudes e decisões do presidente da República, de sua equipe e de seus aliados podem gerar pessimismo quanto à evolução dos preços. Sem mencionar o presidente, o Palácio do Planalto ou qualquer outro edifício da Praça dos Três Poderes, a ata é muito clara, no entanto, ao indicar os componentes políticos da inflação, já mencionados em muitos outros documentos do Copom.
Para conferir esse ponto é preciso, no entanto, desbravar um denso emaranhado verbal: as contas públicas podem ter melhorado, mas “a incerteza em relação ao arcabouço fiscal segue mantendo elevado o risco de desancoragem das expectativas de inflação e, portanto, a assimetria altista no balanço e riscos”. A referência ao “arcabouço fiscal” e ao risco de inflação fora do eixo aparece duas vezes na ata.
Na imprensa, no entanto, os mesmos indicadores de risco são visíveis todos os dias. Orçamento secreto, presidente submisso ao Centrão, transferência de poderes do Ministério da Economia para a Casa Civil, furos no teto de gastos, intervenções nos preços de combustíveis, programas improvisados e jogadas eleitorais compõem grande parte do noticiário de todos os dias. O palavrório da ata do Copom apenas traduz de forma complicada as barganhas, jogadas e distribuições de favores consumadas em Brasília, de forma continuada, com o dinheiro do contribuinte.
Nada mais fácil de entender, portanto, que a mistura de inflação elevada, juros altos, economia emperrada, amplo desemprego e enorme insegurança quanto à evolução das contas federais, da dívida pública e das condições de governança. O presidente Jair Bolsonaro nunca se ocupou de governar e continua distante desse tipo de atividade. O ministro da Economia, Paulo Guedes, ensaia, ocasionalmente, alguma resistência aos desmandos mais evidentes.
Mas, além de se submeter aos desmandos, o ministro permanece no cargo e insiste em falar como se a economia nacional andasse muito bem, houvesse enorme oferta de empregos, a inflação brasileira fosse apenas um reflexo de um problema global, as contas públicas fossem sólidas. O fiasco das privatizações é por ele atribuído à resistência da oposição ou a uma poderosa parcela de congressistas fisiológicos. A vinculação de seu chefe com os grupos mais fisiológicos é sempre esquecida, naturalmente, em suas declarações.
Ao mencionar os problemas globais, o ministro da Economia geralmente omite alguns detalhes muito significativos, como a diferença entre a inflação brasileira e as de outros países capitalistas (em geral muito menores) e a distância entre o desemprego no Brasil e aquele observado na maior parte das economias emergentes e desenvolvidas.
Além de pouco se esforçar pela melhora do trabalho e da vida da maior parte dos brasileiros, o presidente, concentrado em objetivos pessoais, dificulta a gestão do setor público. As incertezas quanto ao “arcabouço fiscal”, mencionadas na ata do Copom, são efeitos facilmente compreensíveis do comportamento presidencial e das falhas administrativas do Executivo (sem contar, é claro, a desastrosa atuação do Ministério da Saúde). Pode-se discutir se o custo econômico dos juros altos será compensado por uma vitória significativa sobre a inflação. Não há como duvidar, no entanto, dos fatores de preocupação citados na ata do Copom.