Economia a serviço da eleição
Flávio Bolsonaro lembra a Guedes que estamos ‘em ano eleitoral’, num recado nada sutil de que o que importa éganhar a eleição, e não equilibrar as contas públicas
Com um histórico mal explicado de compra de imóveis em dinheiro vivo e uso de verbas de gabinete quando era deputado estadual, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) expôs com exatidão a visão de sua família sobre a administração pública. Escolhido para coordenar a campanha de Jair Bolsonaro, Flávio deixou claro, em entrevista ao jornal O Globo, que não vê qualquer problema na instrumentalização da política econômica para impulsionar a candidatura do pai. Se ainda havia dúvidas sobre o papel do ministro Paulo Guedes nessa conjuntura, não há mais. Pela reeleição, vale tudo, inclusive arrebentar o pouco que resta da credibilidade fiscal do País. “Ele (Guedes) tem o senso de responsabilidade de buscar o meio-termo para que a política econômica não degringole o Brasil de vez, a médio e longo prazo, mas sabe da importância, em ano eleitoral, de ter um remédio mais amargo para segurar a inflação, reduzir o preço do dólar e gerar mais emprego”, disse o senador.
Criativo o entendimento de Flávio sobre o que seria um “remédio amargo”, dado que o Banco Central, cuja solitária missão é justamente assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda por meio do regime de metas de inflação, discorda veementemente dele. Na ata da última reunião que elevou os juros a 10,75%, o Comitê de Política Monetária (Copom) destacou que “mesmo políticas fiscais que tenham efeitos baixistas sobre a inflação no curto prazo podem causar deterioração nos prêmios de risco, aumento das expectativas de inflação e, consequentemente, um efeito altista na inflação prospectiva”. Foi um alerta sobre as discussões a respeito da desoneração de combustíveis, assunto que é uma obsessão de Bolsonaro e que Guedes passou a considerar um “mal menor”.
O preço da reeleição tem sido alto para a economia. A pretexto de abrir espaço para aumentar o valor do benefício do Auxílio Brasil, o governo destruiu o teto de gastos, permitiu o calote nas dívidas da União já reconhecidas pela Justiça e garantiu o pagamento de emendas bilionárias por meio do orçamento secreto. O Executivo, agora, dobra a aposta com a isenção tributária para o diesel e o reajuste para servidores, mas nem atendendo a interesses eleitoreiros e aniquilando sua biografia – palavras, frise-se, do próprio Guedes ao Estadão – o ministro pôde contar com alguma gratidão da família. “Eu não sei se ele seguiria no cargo em um segundo governo. Depende da disposição dele, que é cansativo. Você vê que o presidente Bolsonaro envelheceu muito, o Paulo Guedes também. É muito desgastante”, avaliou o senador.
Para bom entendedor, meia palavra basta, mas o presidente Jair Bolsonaro reiterou a concepção real que tem sobre o correto uso de recursos públicos – e, também, sobre o ministro: “Logicamente todo mundo briga com o Paulo Guedes, todo mundo quer dinheiro, é natural. Qual o político que não quer dinheiro? Se o deputado aqui não quiser dinheiro tá errado”, disse Bolsonaro, sem nem mesmo disfarçar que não está nem aí para a solidez fiscal e dos investimentos para promover o crescimento, reduzir o desemprego, diminuir a pobreza e acabar com a fome. Na mesma cerimônia no Palácio do Planalto, o presidente admitiu, sem rodeios, que entende tanto de economia quanto Guedes entende de política. “Então nós somos um casal perfeito. Eu não entro na área dele e ele não dá peruada na minha área.”
Bem se vê por que a economia está no atoleiro em que se encontra. Afinal, para o presidente, seria estranho se os políticos não quisessem dinheiro – como se a missão pública dos representantes do povo fosse de fato apropriar-se de verbas para seus redutos eleitorais, e não articular projetos que atendam aos interesses nacionais.
Que Bolsonaro dinamitou as fronteiras entre o público e o privado e explorou instituições de Estado para atender aos interesses de sua holding familiar de políticos profissionais não é segredo para ninguém. Mas não deixa de ser estarrecedora a naturalidade com que a família Bolsonaro demonstra publicamente e sem rodeios que seus objetivos eleitorais valem mais do que o futuro do País.