O presidente pode ter colecionado erros ao longo do mandato, mas sua atitude em relação aos cristãos foi impecável
Juliano Spyer, Antropólogo, pesquisador do Cecons/UFRJ, autor de Povo de Deus (Geração 2020) e criador do Observatório Evangélico,
Assim como Lula se tornou o herói da “classe C”, Bolsonaro se tornou o messias do cristão conservador. Foi uma estratégia visionária considerando que o Brasil está em vias de se tornar um país protestante e que a esquerda nunca fará o mesmo aceno a religiosos conservadores sem soar oportunista.
O presidente pode ter colecionado erros ao longo do mandato, mas sua atitude em relação aos cristãos foi impecável. A começar pela campanha vitoriosa de 2018 cujo slogan “Deus acima de todos” sinalizava seu compromisso com os valores da família tradicional e impôs à mídia secular, que historicamente desdenha o evangélico, falar sobre religião.
O cientista político Victor Araújo, especialista no tema, explicou a posição privilegiada do presidente: “Bolsonaro conseguiu a proeza de juntar todos [os pastores e lideranças evangélicos]… [Foi quem] ofereceu mais benefícios fiscais, e também deu acesso para eles frequentarem espaços que nunca frequentaram antes. O governo Bolsonaro os tratou com uma deferência sem paralelo.” (Observatório Evangélico, 01/02)
Bolsonaro não é o candidato dos sonhos dos evangélicos, a começar porque ele mesmo não é evangélico, não demonstra ter interesse especial pela leitura da Bíblia e tem uma postura deselegante que não condiz com o comportamento promovido nas igrejas. Ele defende a facilitação da compra de armas, algo que a evangélica moradora da periferia tem horror de ouvir falar.
O jogo intricado de forças dentro das igrejas inclui ainda a postura do jovem evangélico, que hoje é menos subordinado às hierarquias pelo convívio nas universidades e pelo acesso a variedades de argumentos teológicos disponíveis online. Também a percepção de que a influência política conquistada pelo cristianismo não recuará com a eventual derrota de Bolsonaro. E uma frustração entre muitos protestantes, resumida pelo diretor da Aliança Evangelica Brasileira, Cassiano Luz: “não é papel da igreja promover candidatos a cargos políticos.”
Os ataques a Moro e Lula sinalizam a percepção de que Bolsonaro corre um risco maior do que o de ser derrotado nas urnas: o de terminar a campanha menor do que entrou. Por causa disso, pastores midiáticos como André Valadão da Lagoinha Church estão explicitando seu apoio ao clã Bolsonaro —e se expondo a críticas— abrindo seus púlpitos e canais de mídia à pregação abertamente política de quem reforça o mote “cristão não vota na esquerda”.
Lula disputará com Bolsonaro o voto dos evangélicos pobres, que hoje vivenciam em suas comunidades desemprego, queda de renda e aumento da insegurança alimentar. Ele tem a seu favor a memória dos tempos de prosperidade e agora a ajuda do pastor pentecostal Paulo Marcelo que, conforme explicou o pastor Kenner Terra, tem acesso ao “chão de fábrica” pentecostal.
Mas há outro foco de incêndio para o presidente: o aumento do apoio —ainda discreto mas perigoso— de evangélicos ao ex-ministro Sérgio Moro, uma alternativa que não cabe na etiqueta de “candidato de esquerda”.
Moro traz para a disputa uma narrativa atraente para o eleitor evangélico: a do justiceiro perseguido. O defensor obstinado da lei e da ordem. E apesar do ex-ministro não abraçar a pauta conservadora com a convicção do presidente, ele encarna aquilo que ajudou Bolsonaro a ser eleito: a bandeira do combate à corrupção.
Há, portanto, motivos para a guerrilha bolsonarista estar atuando no território que, supostamente, é a fortaleza do presidente.
Se a debandada não for condida, a explicitação da simpatia do evangélico antipetista por Moro escancarará a fragilidade de Bolsonaro como gestor que dificultou a campanha de vacinação contra o Covid, aprofundou a crise econômica do país, recorre à desinformação para se promover e, ao contrário da promessa veemente de campanha, hoje dificulta o combate à corrupção no país.