Muito poder, pouca responsabilidade

By | 20/02/2022 1:09 pm

O Brasil não pode continuar à mercê de um Executivo que não sabe governar e de um Legislativo que só usufrui dos bônus do poder acumulado

A evidente insuficiência intelectual, moral, administrativa e política de Jair Bolsonaro para o exercício da Presidência levou a um quadro de degradação do regime presidencialista jamais visto, ao menos não desde a redemocratização do País.

É de justiça reconhecer que Bolsonaro não deu início a esse processo. O presidencialismo começou a enfraquecer no Brasil durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff, uma pessoa sabidamente avessa às concertações políticas que, ao fim e ao cabo, mantêm o fino equilíbrio de forças entre os Três Poderes da República e sustentam a governabilidade. Tanto foi assim que Dilma acabou cassada, malgrado todas as concessões que fez ao Congresso, em especial as que permitiram ao Poder Legislativo aumentar seu poder sobre a execução do Orçamento da União.

O governo do sucessor de Dilma, Michel Temer, representou uma tentativa de estabelecer um novo equilíbrio entre as prerrogativas do Executivo e do Legislativo, num arremedo do que se convencionou chamar de “semipresidencialismo”. “Eu trouxe o Congresso para governar comigo, não apenas porque isso é da minha formação democrática, mas porque, no presidencialismo, entendo que não se pode governar sem o Congresso”, disse Temer, um dos maiores defensores da adoção do regime semipresidencialista no País. Merece destaque o emprego do pronome pessoal “comigo”. De fato, como o reconhecido constitucionalista que é e cioso de suas responsabilidades no cargo, errando e acertando, em momento algum Temer abdicou do exercício da Presidência da República.

Bolsonaro, por sua vez, conseguiu uma proeza, levando a degradação do regime presidencialista ao paroxismo. O incumbente não teve a habilidade para seguir o modelo de seu antecessor e ainda logrou agravar o processo de apequenamento da Presidência da República iniciado por Dilma Rousseff, que Temer, hoje se sabe, apenas sobrestou.

É seguro afirmar que, antes de Bolsonaro, nunca houve um presidente tão dispensável, no que concerne à definição dos rumos do País, como o atual mandatário. O próprio líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), disse em alto e bom som há poucos dias que uma coisa é o governo e outra, muito distinta, são as vontades do presidente, como se pudessem ser coisas dissociadas, como se Bolsonaro fosse um presidente “café com leite”. Do ponto de vista estritamente pragmático, ele é, e essa separação é até benfazeja para o País, pois, se todas as “ideias”, chamemos assim, de Bolsonaro fossem adiante e se transformassem em realidade, triste destino teria o Brasil. Entretanto, do ponto de vista institucional, a fraqueza do presidente da República é muito ruim por causar uma distorção na organização do Estado definida pela Constituição.

O que se tem hoje é uma estrovenga política representada por um Congresso extremamente poderoso que usufrui apenas dos bônus desse poder acumulado, sem arcar com as responsabilidades por seus eventuais desvios.

O Poder Legislativo controla a execução do Orçamento da União com uma discricionariedade jamais vista. As emendas de relator-geral, base do orçamento secreto revelado pelo Estadão, foram somadas às emendas individuais, de bancada e de comissão como instrumentos de aumento desse controle sobre o destino dos recursos dos contribuintes. E nem sempre às claras. A transparência, já determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em consonância com a Lei Maior, é dada quando, e se, o Congresso bem entende. A ação de um grupo parlamentar liderado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também tornou muito mais difícil a vida dos parlamentares não alinhados, desprovidos que foram de parte dos instrumentos legítimos de que dispõe a oposição em uma democracia.

Como está não é bom para o Brasil. O melhor teria sido adotar o parlamentarismo, em que o governo é exercido no Parlamento e cai, sem grandes traumas, quando erra e perde sustentação política. Como o parlamentarismo já foi rejeitado pelos brasileiros em dois plebiscitos, resta tentar o semipresidencialismo, pois o Brasil não pode mais ficar à mercê de um Executivo que não sabe governar e, menos ainda, de um Legislativo que exerce o poder sem responsabilidade.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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