O Brasil não pode continuar à mercê de um Executivo que não sabe governar e de um Legislativo que só usufrui dos bônus do poder acumulado
É de justiça reconhecer que Bolsonaro não deu início a esse processo. O presidencialismo começou a enfraquecer no Brasil durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff, uma pessoa sabidamente avessa às concertações políticas que, ao fim e ao cabo, mantêm o fino equilíbrio de forças entre os Três Poderes da República e sustentam a governabilidade. Tanto foi assim que Dilma acabou cassada, malgrado todas as concessões que fez ao Congresso, em especial as que permitiram ao Poder Legislativo aumentar seu poder sobre a execução do Orçamento da União.
O governo do sucessor de Dilma, Michel Temer, representou uma tentativa de estabelecer um novo equilíbrio entre as prerrogativas do Executivo e do Legislativo, num arremedo do que se convencionou chamar de “semipresidencialismo”. “Eu trouxe o Congresso para governar comigo, não apenas porque isso é da minha formação democrática, mas porque, no presidencialismo, entendo que não se pode governar sem o Congresso”, disse Temer, um dos maiores defensores da adoção do regime semipresidencialista no País. Merece destaque o emprego do pronome pessoal “comigo”. De fato, como o reconhecido constitucionalista que é e cioso de suas responsabilidades no cargo, errando e acertando, em momento algum Temer abdicou do exercício da Presidência da República.
Bolsonaro, por sua vez, conseguiu uma proeza, levando a degradação do regime presidencialista ao paroxismo. O incumbente não teve a habilidade para seguir o modelo de seu antecessor e ainda logrou agravar o processo de apequenamento da Presidência da República iniciado por Dilma Rousseff, que Temer, hoje se sabe, apenas sobrestou.
É seguro afirmar que, antes de Bolsonaro, nunca houve um presidente tão dispensável, no que concerne à definição dos rumos do País, como o atual mandatário. O próprio líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), disse em alto e bom som há poucos dias que uma coisa é o governo e outra, muito distinta, são as vontades do presidente, como se pudessem ser coisas dissociadas, como se Bolsonaro fosse um presidente “café com leite”. Do ponto de vista estritamente pragmático, ele é, e essa separação é até benfazeja para o País, pois, se todas as “ideias”, chamemos assim, de Bolsonaro fossem adiante e se transformassem em realidade, triste destino teria o Brasil. Entretanto, do ponto de vista institucional, a fraqueza do presidente da República é muito ruim por causar uma distorção na organização do Estado definida pela Constituição.
O que se tem hoje é uma estrovenga política representada por um Congresso extremamente poderoso que usufrui apenas dos bônus desse poder acumulado, sem arcar com as responsabilidades por seus eventuais desvios.
O Poder Legislativo controla a execução do Orçamento da União com uma discricionariedade jamais vista. As emendas de relator-geral, base do orçamento secreto revelado pelo Estadão, foram somadas às emendas individuais, de bancada e de comissão como instrumentos de aumento desse controle sobre o destino dos recursos dos contribuintes. E nem sempre às claras. A transparência, já determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em consonância com a Lei Maior, é dada quando, e se, o Congresso bem entende. A ação de um grupo parlamentar liderado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também tornou muito mais difícil a vida dos parlamentares não alinhados, desprovidos que foram de parte dos instrumentos legítimos de que dispõe a oposição em uma democracia.
Como está não é bom para o Brasil. O melhor teria sido adotar o parlamentarismo, em que o governo é exercido no Parlamento e cai, sem grandes traumas, quando erra e perde sustentação política. Como o parlamentarismo já foi rejeitado pelos brasileiros em dois plebiscitos, resta tentar o semipresidencialismo, pois o Brasil não pode mais ficar à mercê de um Executivo que não sabe governar e, menos ainda, de um Legislativo que exerce o poder sem responsabilidade.