Gabinete paralelo no MEC é grave ofensa à ordem jurídica

By | 23/03/2022 5:59 am

Trinta moedas pela educação

O funcionamento do gabinete paralelo no MEC, com pastores influenciando na liberação de verbas da pasta, é grave ofensa à ordem jurídica. Educação é inegociável
Desde que o Estadão revelou, na semana passada, a existência de mais um gabinete paralelo no governo Bolsonaro, desta vez no Ministério da Educação (MEC), têm vindo à tona novos dados sobre o aparelhamento da estrutura estatal para atender a interesses de lideranças religiosas. Trata-se de uma situação rigorosamente inconstitucional, que desrespeita princípios básicos da administração pública, fere o caráter laico do Estado e, não menos importante, prejudica diretamente a qualidade da educação pública.

Revelado agora, o esquema não é novo. Foi apurado que, desde 2019, pastores evangélicos vêm exercendo influência no MEC. Esse marco temporal indica que o aparelhamento religioso da pasta da Educação não é algo meramente circunstancial, que teria nascido após a aproximação do governo Bolsonaro com o Centrão. O assunto é mais grave. Desde o início do seu mandato, o presidente Bolsonaro permitiu que a estrutura do Estado fosse usada para fins particulares, de determinados grupos religiosos.

A agravar o quadro, o aparelhamento não ocorreu em um setor secundário da administração federal. Entregou-se a lideranças religiosas uma das áreas mais importantes, se não a mais importante, para o futuro do País. E, consequentemente, uma pasta que possui um dos maiores orçamentos do governo federal.

Sabe-se que o MEC de Bolsonaro não funciona bem desde o início do governo. A pasta responsável por cuidar do futuro das novas gerações notabilizou-se por polêmicas, agressões, ineficiências e omissões, o que, entre outros danos, produziu significativa desarticulação com os outros entes federativos. Agora, com a revelação da existência de um gabinete paralelo liderado por pastores, conheceu-se uma nova faceta. Nem tudo era ineficiência. Para os amigos dos pastores, a verba chega rapidamente.

Segundo a reportagem do Estadão apurou, o gabinete paralelo é bastante ágil na liberação de verbas do MEC para determinados municípios, em uma velocidade que destoa dos padrões de repasses da União. Em um dos casos, a prefeitura conseguiu o empenho de parte do dinheiro pleiteado 16 dias depois do encontro mediado pelos religiosos. Durante o mês de dezembro de 2021, foram firmados, depois desses encontros com pastores, termos de compromisso, uma etapa anterior ao contrato, entre o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e nove prefeituras no valor de R$ 105 milhões.

Esses dados confirmam que a atuação do gabinete paralelo do MEC é muito mais ampla do que apenas controlar a agenda do ministro Milton Ribeiro, o que já seria extravagante e incompatível com o funcionamento republicano do poder público. Os pastores exercem influência na decisão sobre o destino das verbas e a velocidade de sua entrega.

Do início de 2021 para cá, sabe-se que ao menos 48 municípios foram contemplados com verbas após encontros com os pastores do gabinete paralelo. Desses repasses, 26 deles utilizaram recursos próprios do FNDE. O restante recebeu dinheiro por meio de emendas do orçamento secreto.

A operação do gabinete paralelo no MEC merece uma responsável, cuidadosa e diligente investigação. A subordinação do Estado a interesses religiosos é grave ofensa à Constituição, além de produzir distorções, ineficiências e privilégios no próprio sistema educativo. Não é aceitável, num Estado Democrático de Direito, que a proximidade de gestores públicos com pastores evangélicos signifique condições especiais no acesso a verbas públicas.

Por força de sua missão constitucional, o Ministério Público tem especial responsabilidade no desmantelamento dessa estrutura paralela no MEC, apurando, em conjunto com os órgãos policiais, os fatos e as respectivas responsabilidades. Também o Legislativo e o Judiciário, no que lhes couber, não podem ficar passivos. É inconcebível que a definição de políticas públicas educacionais, responsabilidade fundamental do Estado, seja entregue, sem controle e sem transparência, a lideranças religiosas, sem vínculo com a administração pública. É grave traição da República.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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