PEC aprovada no Senado é afronta à democracia

By | 01/07/2022 10:26 am

(Editorial de O Globo, em 

Senado

 

O Senado aprovou ontem, num congraçamento raro entre governo e oposição, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que desfere um ataque frontal à democracia brasileira. Na superfície, essa PEC da Bondade permite apenas instituir um estado de emergência temporário, até o fim do ano, para ampliar o valor do Auxílio Brasil a R$ 600, beneficiar caminhoneiros, taxistas e consumidores de gás. Seriam medidas eleitoreiras, condenáveis em razão do impacto fiscal no Orçamento, mas até defensáveis diante da alta dos combustíveis e da atual calamidade social — obviamente a situação exige medidas do Congresso. Mas a PEC faz isso do jeito errado e traz consequências inaceitáveis.

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Com um olhar mais atento, logo se percebe que o novo instrumento acaba com o equilíbrio na disputa eleitoral e fere, segundo juristas, princípios fundamentais da Constituição. É por isso que, se confirmada a aprovação na Câmara na semana que vem, ele precisará ser revisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). As mudanças equivalem a anotar um gol de mão para o time da casa na final do campeonato.

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Quanto à decretação do estado de emergência, ainda que ele valha apenas para 2022, terá aberto o precedente para que futuros presidentes busquem aprovar PECs semelhantes. Bastará uma justificativa qualquer para um estado de emergência — e estará liberada a criação ou aumento de benefícios, turbinando aqueles que buscam a reeleição ou candidatos vinculados à situação. Foi justamente para nivelar a disputa eleitoral e evitar abusos dessa ordem que a lei proibiu esse tipo de ação.

Como o placar quase unânime da votação de ontem deixou claríssimo, as balizas do bom senso não serão impostas pela oposição. Receosos de ser penalizados nas urnas por barrar medidas de cunho social, senadores contrários a Bolsonaro seguiram o voto dos governistas. Entre o respeito à democracia e o oportunismo, ficaram com a segunda opção. Entre eles, há até defensores do teto de gastos, atropelado pela PEC da Bondade.

Na escala dos estragos proporcionados pelo estado de emergência em ano eleitoral, o ataque à democracia é certamente o mais grave. Não quer dizer que sejam desprezíveis os efeitos deletérios nas contas públicas. Pelo cálculo do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), relator da PEC, o impacto fiscal do que foi aprovado passa de R$ 41 bilhões. Há números divergentes. Economistas avaliam que só o reajuste do Auxílio Brasil, se mantido, consumirá metade do ganho fiscal da Reforma da Previdência em dez anos. E estará desbravado o caminho. Doravante, a cada ano de eleição com aprovação de medidas semelhantes, os brasileiros poderão esperar cifras maiores.

Entre os eleitores preocupados com a saúde da democracia, muitos são sensíveis à ideia de o governo ajudar a população que passa por emergência, mesmo em anos eleitorais. Mas não é disso que se trata. O governo federal dispõe de um arsenal de programas que poderiam ter sido ampliados. Não é a lei eleitoral que o impede de aliviar a penúria dos brasileiros. O fato de Bolsonaro ter escolhido como beneficiados caminhoneiros ou taxistas mostra que o motivo para a emergência não é ajudar os mais pobres. A PEC da Bondade é pedagógica. É uma tentativa de resolver o estado de emergência da campanha de Bolsonaro. Não passa da legalização do gol de mão.

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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