Bolsonaro é inimigo da cultura

By | 06/07/2022 7:49 am

Os inimigos da razão

Infame homenagem da Biblioteca Nacional ao deputado Daniel Silveira, notório por seu analfabetismo cívico, é a mais recente ofensiva da guerra bolsonarista à inteligência

A entrega da medalha da Ordem do Mérito do Livro, pela Biblioteca Nacional, ao deputado federal bolsonarista Daniel Silveira (PTB-RJ), no último dia 1.º de julho, ultrapassou todos os limites do deboche. O que poderia ser entendido como mais uma demonstração da corriqueira irreverência do governo do presidente Jair Bolsonaro em relação à cultura e às instituições, é na verdade bem mais que isso: a condecoração de Silveira com uma das mais altas honrarias culturais do País reveste-se de perigoso simbolismo que nada tem de banal.

Desde a posse do presidente, em 1.º de janeiro de 2019, o grupo que chegou ao poder já deu sucessivas demonstrações de que trava uma guerra contra a razão. Não que haja surpresa nisso: governos com tendências autoritárias costumam se contrapor à racionalidade e ao pensamento livre. Cultuam uma espécie de anti-intelectualismo que vê as artes, o uso da inteligência e qualquer espécie de crítica como ameaças, avessos que são ao contraditório e ao exercício da liberdade, exceto a própria.

Sob Bolsonaro, a área da cultura virou vitrine de batalhas ideológicas em que o imperativo parece ser o de desfazer boa parte do que o País levou décadas para construir − e que contribuiu para a pujança, a criatividade e a diversidade da cultura nacional. Nos últimos três anos e meio, a sociedade brasileira, boquiaberta, já viu de tudo: até discurso inspirado em Joseph Goebbels, o ministro da propaganda de Adolf Hitler na Alemanha nazista, proferido pelo então secretário especial da Cultura, Roberto Alvim, em 2020. Enquanto isso, artistas consagrados eram tratados com desrespeito e a Lei Rouanet, mecanismo concebido para fomentar o desenvolvimento cultural, demonizada.

É nesse contexto de ataque à cultura que a condecoração do deputado Silveira causa redobrada indignação. Como se sabe, o parlamentar bolsonarista foi condenado em abril a 8 anos e 9 meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) após ter defendido o fechamento da Corte e incitado agressões a ministros. Silveira só deixou de cumprir a pena graças a um inusitado indulto concedido pelo presidente Jair Bolsonaro no dia seguinte ao julgamento − indulto esse que, cabe lembrar, não o inocenta das graves acusações que levaram à sua condenação.

Pior: o parlamentar ganhou notoriedade bem antes dos ataques ao STF. Na campanha eleitoral de 2018, ele saiu do anonimato para a ribalta bolsonarista ao quebrar uma placa em homenagem à vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada a tiros na cidade do Rio de Janeiro meses antes.

A Ordem do Mérito do Livro foi entregue na sede da Biblioteca Nacional, uma prestigiada instituição cuja origem é anterior à Independência do Brasil. A distinção, é bom lembrar, reconhece a contribuição de escritores, intelectuais e personalidades à literatura brasileira e à própria Biblioteca Nacional. Tal homenagem já foi concedida a nomes como o poeta Carlos Drummond de Andrade, o sociólogo Gilberto Freyre e o arquiteto Oscar Niemeyer. Por uma infeliz coincidência, Silveira, um orgulhoso analfabeto cívico, foi condecorado no ano do Bicentenário da Independência do Brasil.

Por óbvio, houve reações. O escritor e poeta Marco Lucchesi, que também seria contemplado, recusou-se a receber a honraria. “Se eu aceitasse a medalha seria referendar Bolsonaro”, disse Lucchesi. E completou: “Agradeço, mas não posso aceitar”. Na mesma linha, os netos de Drummond, Pedro e Maurício Drummond, divulgaram carta classificando como “verdadeiro deboche” o reconhecimento conferido a Silveira. Ambos afirmaram que, na época em que o avô ganhou a medalha, as autoridades “não nos envergonhavam e não nos apequenavam como nação”.

Essas críticas, ao contrário de constranger Bolsonaro e seus fanáticos seguidores, provavelmente serão recebidas como elogios por essa horda bárbara que tomou o poder. Afinal, ao bolsonarismo interessa representar o exato oposto da civilização e da razão. Não por acaso, o presidente, em recente live nas redes sociais, disse que, se o petista Lula da Silva vencer a eleição, “clube de tiro vai virar biblioteca”. Que perigo!

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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