Oposição e Judiciário têm dever de reagir à PEC do Desespero

By | 06/07/2022 7:38 am

A PEC que estraçalha a Constituição

Ninguém tem o poder de destruir a Carta ou desvirtuar o regime democrático, como Bolsonaro tenta fazer por meio da PEC do Desespero. Oposição e Judiciário têm o dever de reagir

O Congresso dispõe do chamado poder constituinte derivado, que é a competência dada pela Assembleia Constituinte – titular do poder constituinte originário – para alterar o texto constitucional. É a própria Constituição prevendo a possibilidade de sofrer alterações, para que não fique desajustada à realidade social. Ou seja, as emendas constitucionais têm a finalidade de proteger a efetividade da Constituição ao longo do tempo.

O governo de Jair Bolsonaro, com a conivência do Senado, inverteu inteiramente essa dinâmica. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 1/2022, a “PEC do Desespero”, é uma violência contra a Constituição e o Estado Democrático de Direito.

A “PEC do Desespero” – assim chamada porque se destina a permitir que o presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, compre votos para tentar reverter seu mau desempenho nas pesquisas – altera as regras do jogo eleitoral às vésperas das eleições. Para evitar mudanças abruptas desse tipo, a Constituição de 1988 estabeleceu o princípio da anualidade. “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”, diz o art. 16. Segundo jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (STF), as emendas constitucionais também têm de respeitar o princípio da anualidade.

Ainda que não altere formalmente o processo eleitoral, a PEC 1/2022 afeta diretamente as limitações vigentes relativas ao processo eleitoral. Uma ação estatal que até agora sempre foi proibida – a criação de benefício social em ano de eleições – passará a ser subitamente autorizada com a aprovação da “PEC do Desespero”. E, além do mais, essa interferência nas eleições não é um aspecto secundário, mas a finalidade central da PEC 1/2022. Isso não é segredo para ninguém.

A PEC 1/2022 não é apenas rigorosamente antidemocrática, mas explicitamente antijurídica. Na manobra forjada pelo governo Jair Bolsonaro, nada é sutil. O deboche com a ordem jurídica é escancarado. O governo que passou os últimos dois anos negando a gravidade da pandemia quer decretar agora um inexistente “estado de emergência” porque é um atalho malandro para burlar as limitações fiscais e eleitorais.

É patente que os requisitos legais para decretar a medida emergencial não estão preenchidos. O próprio governo sabe disso – tanto sabe que patrocinou a excrescência, tal como consta na PEC 1/2022, de criar um dispositivo constitucional dizendo que, até o fim de 2022, vigorará o estado de emergência no País.

Nunca foi necessário emenda constitucional para instituir ou extinguir estado de emergência. Por exemplo, o governo federal, ao decretar em maio o fim do estado de emergência causado pela pandemia de covid, não precisou mexer em nenhum texto constitucional. Bastou editar um decreto. Quando Bolsonaro almeja que o estado de emergência seja instituído por meio de PEC, ele está reconhecendo que se trata de uma ficção eleitoreira, sem base na lei. No caso, a via constitucional é mero recurso para evitar questionamentos na Justiça. Ou seja, altera-se a Constituição não para assegurar sua vitalidade, mas para minar sua capacidade de proteção da República, transformando-a em instrumento de abuso: permitir que Jair Bolsonaro viole impunemente as regras fiscais e eleitorais, uma vez que o Judiciário estaria supostamente de mãos atadas.

Os políticos comprometidos com o regime democrático não podem ser coniventes com tal violência contra a Constituição. Também o Judiciário deve estar vigilante, já que o poder constituinte derivado não é absoluto. Na tramitação de uma PEC, o Congresso está submetido a normas que o STF tem a missão de defender. Afinal, a Constituição de 1988, a despeito das aparências, ainda está em vigor – e vale mais do que a manobra ilegal e autoritária de um governante desesperado em manter-se no poder.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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