A ‘gratidão’ com dinheiro alheio

By | 09/07/2022 8:54 am

Nem parece que a lei exige distribuição equânime das emendas entre parlamentares, pois, afinal, todos foram eleitos de forma legítima – os amigos do presidente do Senado e os que não são

O senador Marcos do Val (Podemos-ES) reconheceu ao Estadão, em espantosa entrevista publicada anteontem, o que todos já estão cansados de saber: que os controladores do orçamento secreto no Congresso usam essa cornucópia de dinheiro público para comprar apoio de colegas parlamentares. O que causa estupefação é a naturalidade com que Do Val admitiu a distribuição de verbas a partir de critérios arbitrários, à margem da lei, em atendimento a interesses estritamente particulares.

“A minha parte seria de R$ 10, 15, 20 (milhões)”, disse o senador do Podemos, como se estivesse falando de tomates na feira. Falava, na verdade, dos R$ 50 milhões em emendas do orçamento secreto que recebeu como “gratidão” por seu apoio a Rodrigo Pacheco (PSD-MG) na campanha à presidência do Senado, em fevereiro de 2021, conforme declarou o próprio Do Val, candidamente.

O senador do Podemos disse que achou os R$ 50 milhões um valor excessivo para seu Estado, o Espírito Santo. E foi indagar o senador Davi Alcolumbre, então presidente da Casa, sobre o critério utilizado para a distribuição. “Aquele critério que o Rodrigo falou para vocês lá no início”, foi a resposta, segundo Do Val. Em outro trecho da entrevista, o senador diz: “O critério que ele (Rodrigo Pacheco) colocou para mim foi o critério de eu ter apoiado ele (sic) enquanto outros não apoiavam”.

Eis a que ponto se chegou uma legislatura que, em tese, vinha promover a renovação da política e uma nova moralidade no trato da coisa pública. Sem nenhum rubor, um senador admite que o presidente do Senado usou dinheiro público para “agradecer” o apoio recebido na campanha. Nem parece que é verba pública, oriunda do bolso do contribuinte. Nem parece que os recursos são escassos e as necessidades do País, imensas. Nem parece que a lei exige distribuição equânime das emendas entre parlamentares, porque, afinal, todos foram eleitos de forma legítima – os que são amigos do presidente do Senado e os que não são.

O caso é escandaloso por si só. Mas há uma agravante. Tudo isso ocorreu em plena pandemia, com uma dramática situação social e econômica, com famílias sem emprego, com milhões de brasileiros passando fome. Foram destinados R$ 50 milhões por “gratidão” ao apoio na eleição da presidência da Casa. “Eu achei até muito para eu encaminhar para o Estado (do Espírito Santo)”, disse o próprio representante do Estado, deixando claro que os critérios não eram técnicos, mas exclusivamente políticos.

Essa absurda e disfuncional distribuição de recursos públicos é parte do esquema revelado pelo Estadão que ficou conhecido como “orçamento secreto”: vultosas verbas destinadas, sem nenhuma transparência ou controle, para que os caciques do Senado e da Câmara solidifiquem seu poder. O Supremo Tribunal Federal já disse que essa dinâmica de uso do dinheiro público é inconstitucional. No entanto, Marcos do Val admite abertamente, referindo-se aos R$ 50 milhões: “É o valor que todo mundo dizia que é o tal do orçamento secreto, da compra de votos”.

A fala do senador do Podemos remete à naturalidade com que o presidente Jair Bolsonaro sempre trata das emendas de relator. Em abril deste ano, Jair Bolsonaro disse, também candidamente, que o pagamento de emendas parlamentares por meio do orçamento secreto era um meio para “acalmar” o Congresso. São as novas finalidades que o bolsonarismo e aliados atribuem, sem cerimônia, ao dinheiro público: “acalmar” e “agradecer”. As palavras suaves desvelam uma realidade indecente e ilegal: o público converte-se em privado, em um processo similar ao que se observa nas rachadinhas. A diferença é que, no orçamento secreto, os valores são imensamente maiores.

As presidências da República e das Casas Legislativas, concertadas, transformaram o Orçamento em butim a ser repartido entre aqueles que são da patota ou que, mesmo oficialmente não sendo, fazem vista grossa e aproveitam para tirar sua lasquinha. Sem oposição decente, não admira que gente como Marcos do Val se sinta tão à vontade.

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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