Em todos os grupos pesquisados pelo IBGE houve alta, mas o governo dobra aposta no voluntarismo e na gastança fiscal
Depois de ter desacelerado pontualmente em maio, a inflação voltou a dar mostras de sua força e consistência em junho. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou o mês passado em 0,67%, ante 0,47% em maio, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E com uma agravante: desta vez, todos os nove grupos pesquisados registraram alta de preços. Os dados confirmam a percepção de qualquer consumidor sobre a corrosão de seu poder de compra. O pior é que não há apenas um vilão para culpar pela inflação: de um total de 377 produtos e serviços pesquisados pelo IBGE, 252 ficaram ainda mais caros. As maiores variações foram verificadas nos grupos Vestuário e Saúde e Cuidados Pessoais. Influenciado por refeições fora do domicílio, o grupo Alimentos e Bebidas também pressionou o indicador. Em 12 meses, o IPCA acumula alta de 11,89%, décimo mês consecutivo em que os preços registram uma taxa superior a 10% – o que não ocorria há 20 anos.
Há ao menos um dado novo – e preocupante – no levantamento divulgado pelo IBGE. Os serviços, que vinham apresentando um comportamento mais benigno, voltaram a ser fonte de atenção, com alta de 0,90% em junho e de 8,74% em 12 meses – tudo isso a despeito de a taxa básica de juros ter chegado a 13,25%, a mais alta em cinco anos. É um comportamento que impõe um desafio ainda maior ao Banco Central (BC) neste ano e que confirma o difícil cenário econômico projetado para 2023, já que os reajustes nos serviços tendem a se propagar no tempo. Uma tarefa que já seria suficientemente penosa se torna inútil quando o Executivo apoia a gastança fiscal com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que rasga a Constituição e uma série de leis para autorizar o presidente Jair Bolsonaro a comprar votos para sua reeleição. A desastrosa PEC ainda nem foi aprovada pela Câmara, mas o mercado já cobrou seu preço, com a subida nas taxas de títulos do governo de longo prazo e o retorno das cotações do dólar a patamares próximos de R$ 5,30. Essa é uma conta que também chegará ao consumidor.
Não satisfeito em prejudicar o trabalho do BC, o esquizofrênico governo boicota a si mesmo. Já há quem projete que a imposição de um teto de 17% para o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de combustíveis – obsessão do presidente Jair Bolsonaro – pode até gerar deflação em julho, mas seus efeitos devem ser anulados pelo reajuste do Auxílio Brasil e pela criação de eleitoreiros benefícios para taxistas e caminhoneiros. Com mais dinheiro no bolso, haverá aumento na demanda por combustíveis, e isso tende a ser repassado ao consumidor em algum momento.
Não se trata de pessimismo, mas de um princípio econômico inexorável que ignora o voluntarismo dos desejos presidenciais. Conclamar apoiadores a verificarem se os postos de combustíveis baixaram o preço, num aggiornamento desesperado dos “fiscais do Sarney”, não terá nenhum efeito sobre a inflação – como não teve na desastrosa década de 1980.