Tentativa de usurpar atribuição do TSE é inconstitucional e corrói credibilidade das Forças Armadas
(Editorial da Folha,
Prédio do Tribunal Superior Eleitoral em Brasília Jorge William/OGLOBO
As Forças Armadas têm um papel essencial nas eleições: auxiliar no transporte das urnas e garantir a segurança da votação em certas áreas. Não devem ser toleradas pela sociedade, portanto, as tentativas de extrapolar essas funções, semeando dúvidas falsas sobre a segurança do sistema eleitoral, muito menos pondo em prática qualquer plano de fiscalização paralela do resultado das urnas. A Constituição cita o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — e apenas ele — como órgão máximo da Justiça Eleitoral. Também subordina as Forças Armadas aos demais Poderes da República e não lhes confere nenhuma atribuição de fiscalizar ou tutelar os demais.
Em 2021, as Forças Armadas foram convidadas pelo TSE a participar da Comissão de Transparência das Eleições (CTE). Também foram chamados representantes do Tribunal de Contas da União (TCU), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Polícia Federal (PF) e representantes de universidades e da sociedade civil. A iniciativa, tomada de boa-fé diante das insinuações infundadas plantadas pelo presidente Jair Bolsonaro a respeito do sistema de votação, foi infelizmente desvirtuada. O representante do Ministério da Defesa usou a oportunidade para apresentar dúvidas de toda ordem — várias sem cabimento —, recebeu respostas detalhadas e, mesmo sem apontar nenhum indício de fraude, o ministério continua a semear confusão em torno de um sistema reconhecido no mundo todo pela eficácia e credibilidade.
Em audiência recente na Câmara, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, disse ter um plano de ação para as eleições e sugeriu uma auditoria posterior no resultado. Para tentar pôr em prática uma fiscalização própria, os militares solicitaram novas informações técnicas ao TSE. Na audiência, Nogueira insistiu em dar “melhores condições de auditabilidade” ao processo eleitoral e reclamou de dificuldades para conversar com o TSE. Na prática, tem agido como se quisesse preparar a tal “apuração paralela” aventada por Bolsonaro para pôr em xeque a credibilidade do TSE. Nada disso, é óbvio, faz sentido algum.
Não é papel do ministro da Defesa, seja quem for, usurpar a missão da Corte Eleitoral. A CTE foi criada para ouvir sugestões, que poderiam ser acatadas ou refutadas de acordo com sua relevância ou viabilidade. Não cabe ao Ministério da Defesa decidir. Assim como não caberia a PF, OAB ou TCU se tivessem o mesmo comportamento ou opinião.
É inegável que os militares conhecem e respeitam seu papel na democracia brasileira. Aeronáutica, Exército e Marinha têm um vasto histórico de vitórias e feitos notáveis. Por vezes assumem funções além da defesa, como a formação de jovens de todos os cantos do país, o auxílio a comunidades distantes dos grandes centros ou pesquisas em áreas de alta tecnologia.
As Forças Armadas são uma das principais instituições da República, mas, como todas as demais, sua ação é limitada pelo texto constitucional. Construíram arduamente por décadas uma relação de respeito e credibilidade com a sociedade. É inaceitável que tal vínculo seja abalado pela adesão de alguns de seus integrantes a teorias conspiratórias sobre as urnas eletrônicas.