O ataque do Ministério da Defesa às eleições
É inconstitucional a pretensão da Defesa de fiscalizar eleições. Na Presidência, Bolsonaro causa mais danos àsFA do que quando ameaçava colocar bombas em quartéis
O que o presidente Jair Bolsonaro vem fazendo com o Ministério da Defesa é de enorme gravidade, a exigir imediata contenção. Além de afrontar as regras eleitorais, está em curso uma explícita subversão da ordem constitucional.
A configuração do Estado Democrático de Direito está desenhada para que as Forças Armadas estejam submetidas ao poder civil. É precisamente esse o papel institucional do Ministério da Defesa: assegurar que a condução política dos assuntos militares e da defesa esteja plenamente integrada à administração geral do Estado. No entanto, o presidente Jair Bolsonaro vem fazendo o exato contrário. Está usando o poder civil para tentar desvirtuar o bom funcionamento das Forças Armadas.
Eis a loucura bolsonarista. Em vez de ser elemento de tranquilidade institucional, assegurando e confirmando o funcionamento constitucional das Forças Armadas, o Ministério da Defesa do governo Bolsonaro tem sido a fonte de tensões e embates com a Justiça Eleitoral. Sob o pretexto de ter sido convidado a integrar a Comissão de Transparência das Eleições do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o órgão da administração federal relativo aos militares atribuiu a si mesmo o papel de revisor das eleições. Tal pretensão é rigorosamente inconstitucional.
Para piorar, como essa atribuição faz parte da campanha bolsonarista contra a confiança nas urnas eletrônicas, o Ministério da Defesa vem executando a inconstitucional tarefa de maneira espalhafatosa, confrontando publicamente o TSE. Essa atuação em nada se assemelha à usual contribuição abnegada e silenciosa das Forças Armadas em diversas áreas de interesse público, como emergências de defesa civil, proteção ambiental e campanhas de vacinação. Ou seja, além de executar uma tarefa que não lhe cabe, atentando contra a Constituição, o Ministério da Defesa do governo Bolsonaro envolve publicamente o bom nome das Forças Armadas nessas manobras.
Ao imiscuir-se no processo eleitoral, o Ministério da Defesa erra de duas formas graves. Em primeiro lugar, trata-se de um órgão da administração federal e, por óbvio, as eleições não são matéria de competência do Poder Executivo. Não é papel da administração federal questionar a legislação eleitoral, revisar as eleições e, menos ainda, rivalizar com a Justiça Eleitoral.
O segundo erro é ainda mais grave. Ao envolver-se em tema eleitoral, o Ministério da Defesa transmite a ideia de que as Forças Armadas têm a pretensão de interferir nas eleições. Essa mensagem é perigosíssima e desperta preocupação em todos. Esse tipo de interferência não tem lugar em um regime democrático. Não é assim que dispõe a Constituição. Não é assim que funcionou até aqui. Uma vez que o presidente Jair Bolsonaro e o seu Ministério da Defesa vêm tentando inconstitucionalmente envolver as Forças Armadas em questões eleitorais – ação que constitui crime de responsabilidade (art. 7.º, incisos 4 e 7, da Lei 1.079/1950) –, é dever dos três comandantes das Forças Armadas reiterarem seu compromisso com a Constituição, bem como sua distância em relação às tramoias inconstitucionais daquele que, quando esteve no Exército, ameaçava colocar bomba nos quartéis. O perigo agora é imensamente maior.
Essa movimentação do Ministério da Defesa deve despertar também a atenção do Ministério Público. É preciso, assim manda a Constituição, defender a ordem jurídica e o regime democrático. Não cabe apatia perante tão grave ameaça.