Congresso dá aval a propostas que rasgam regras fiscais

By | 15/07/2022 6:54 am

A boiada passa, e deixa um rastro de destruição

Câmara e Senado compactuam com a sanha destruidora do governo Bolsonaro, ao dar aval a propostas que rasgam regras fiscais, leis orçamentárias, legislação eleitoral e a Constituição

Enquanto o País assistia estarrecido ao desmonte da legislação eleitoral, da Lei de Responsabilidade Fiscal, da regra de ouro, do teto de gastos e até da Constituição em nome da reeleição do presidente Jair Bolsonaro, o Congresso provou a máxima segundo a qual onde passa um boi também passa uma boiada. Na mesma semana em que a Câmara deu aval à Proposta de Emenda à Constituição apelidada de “PEC do Desespero”, deputados e senadores terminaram de rasgar os princípios mínimos que ainda regem o Orçamento-Geral da União.

A mais nova pedalada, revelada pelo Estadão, foi referendada por meio de um projeto que dá ao Executivo permissão para alterar o fornecedor de uma obra que já contava com recursos garantidos em situações excepcionais, como desistência do credor original e rescisão contratual. Essas condicionantes, evidentemente, não convenceram os técnicos das consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado. Afinal, a contabilidade pública é cristalina: não é possível realizar despesa sem a emissão prévia de nota de empenho correspondente, e é obrigatório que o nome do fornecedor conste de tal documento. Se o direito do credor deixar de existir por qualquer razão, a única alternativa é cancelar o recurso. Não é capricho: é o que diz a Constituição.

Essa proposta tenebrosa havia sido enviada ao Congresso pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e, se já era ruim na versão original, o texto final prova a capacidade que o mau exemplo do governo tem de gerar efeitos ainda mais nefastos no Legislativo. Sem qualquer debate, o projeto foi aprovado em menos de 20 minutos, mas os parlamentares foram muito além do que o Executivo desejava. Além da mudança de fornecedor, incluíram a possibilidade de alteração do objeto que gerou a nota e até mesmo do município listado no documento. O relator, deputado Carlos Henrique Gaguim (União-TO), mencionou a necessidade de retomar 20 mil obras paradas por problemas contratuais. O que ele não disse – e que está implícito – é que a proposta é uma arma na mão de parlamentares e dará a eles o poder de punir prefeitos com os quais tiverem rompido ou que não trabalharem o suficiente para conquistar votos que garantam sua reeleição.

A cada dia que passa em Brasília surge uma nova desculpa para justificar o desrespeito a pilares fiscais, legais e constitucionais consagrados e até então nunca contestados em nome de interesses espúrios. Neste caso, foram as obras suspensas; no caso da “PEC do Desespero”, foram as consequências da guerra na Ucrânia sobre os preços de combustíveis e alimentos e a necessidade de socorrer os mais pobres. Ajudar as famílias vulneráveis também foi o pretexto para aprovar a PEC dos Precatórios e dinamitar o teto de gastos. Sob o comando de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o Legislativo compactua com o governo Jair Bolsonaro e sua sanha destruidora sem limites – e, se ainda há algum limite, parece ser questão de tempo e oportunidade para que seja ultrapassado.

Foi nessa mesma sessão que o Congresso autorizou o governo, em descarada campanha pela reeleição, a distribuir cestas básicas, redes de pesca, ambulâncias, tratores e maquinários agrícolas, algo claramente vedado pela legislação eleitoral. O prazo para realizar doações, que se encerrava em abril, foi estendido até julho e, agora, até o fim do ano. “Nós temos que mudar o que está lá na lei eleitoral. A lei eleitoral é que está errada”, disse, sem corar, o deputado Hildo Rocha (MDB-MA).

Não satisfeitos, os parlamentares ainda tiveram a audácia de tornar o “orçamento secreto” ainda mais secreto. Agora, quando os recursos das emendas de relator (RP-9) forem remanejados para a rubrica dos Ministérios (RP-2), não só a autoria dos parlamentares será omitida, mas também o nome do próprio relator-geral, em uma nova afronta à decisão do Supremo Tribunal Federal que obrigou o Congresso a dar transparência a esses repasses. Talvez a única notícia positiva da semana seja o fato de que esse bombardeio terá um cessar-fogo temporário com o início do recesso parlamentar – ao menos até o fim de julho.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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