A culpa não é do teto de gastos
Governo Bolsonaro omitiu-se ao não realizar reformas estruturais para reduzir despesas obrigatórias e, agora, culpa limite constitucional de despesas pelos cortes no Orçamento.
São dias de disputa ferrenha na Esplanada dos Ministérios, quando cada pasta usa as armas que tem à disposição para se defender da tesourada. Cultura e Ciência, dois dos alvos favoritos do presidente, desta vez estarão parcialmente livres do bloqueio em razão da derrubada de vetos que resgataram a Lei Paulo Gustavo e a proibição ao contingenciamento de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDTC). A mira, portanto, se volta para as despesas discricionárias, cuja execução, ao menos em tese, não é obrigatória e está sujeita à avaliação de oportunidade dos gestores. Representam, basicamente, o custeio da máquina pública e os investimentos.
Há ao menos dois problemas envolvendo as despesas discricionárias. O primeiro é que elas não passam de 5% do Orçamento, e o segundo é que grande parte delas não tem natureza opcional. Elas incluem, por exemplo, o pagamento de contas de energia, telecomunicações e água de edifícios públicos, sujeitas a corte em caso de inadimplência, além de serviços terceirizados de limpeza e segurança. Manutenção de universidades, conservação de rodovias federais e ações da Defesa Civil para prevenção de desastres também se inserem nessa rubrica. São funções inerentes ao Estado e que não podem ser consideradas dispensáveis, ainda mais quando há bilhões reservados para o fundão eleitoral e para as emendas de relator, base do “orçamento secreto”.
Longe de sinalizar algum compromisso com a austeridade fiscal, cada corte no Orçamento é a tradução da incapacidade do governo de fazer o mínimo que dele se espera. O erro começa na própria elaboração do documento, marcada por uma antiga tradição de superestimar receitas e subestimar despesas. A administração de Jair Bolsonaro, no entanto, promoveu o Orçamento a uma verdadeira obra de ficção quando decidiu mudar o período de apuração da inflação para o cálculo do teto de gastos. A manobra oportunista permitiu ao governo aumentar artificialmente o espaço para despesas em R$ 115 bilhões e dar um calote nos precatórios devidos pela União. Mas nem isso foi suficiente. Bastaram seis meses para que houvesse a fabricação do estado de emergência da PEC Kamikaze, que resultou na aprovação de R$ 41,2 bilhões a serem executados fora do teto.
Ficou fácil, para o governo, culpar o teto por essa balbúrdia orçamentária. Criado em 2016, ele foi fruto de uma emenda constitucional que instituiu um novo regime fiscal e simbolizou o resgate da responsabilidade em uma economia devastada por anos de gastança desenfreada durante o governo Dilma Rousseff. O dispositivo, no entanto, nunca foi um fim em si mesmo. Seu funcionamento sempre demandou ajustes adicionais, entre os quais a realização de reformas para reestruturar as despesas obrigatórias, como aposentadorias, salários do funcionalismo público e benefícios sociais. Sem reformas, era óbvio – e inclusive foi previsto à época de sua aprovação – que o teto passaria a estrangular o Orçamento. Ao trabalhar contra as reformas tributária e administrativa, o governo Bolsonaro fez uma escolha pela omissão. Desmoralizar o teto e rasgar o arcabouço fiscal, as leis e a Constituição são consequência dela. A guerra dos cortes no Orçamento é a ponta do iceberg.