Banqueiros como Roberto Setubal e Cândido Bracher, além de empresários como Pedro Passos (Natura) e Walter Schalka (Suzano), também assinaram a carta que cita ‘desvarios autoritários’
(Beatriz Bulla e Fernando Scheller,
Um variado grupo de empresários aderiu a uma carta em tom duro em defesa da democracia brasileira e do sistema eleitoral. Gestado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), o manifesto circula desde a semana passada e tem ganhado assinaturas de peso do mundo empresarial e financeiro. Entre os signatários do documento estão Roberto Setubal e Candido Bracher (Itaú Unibanco), representantes da indústria como Walter Schalka (Suzano) e de empresas de bens de consumo como Pedro Passos e Guilherme Leal (Natura).
A polêmica reunião de Bolsonaro com embaixadores de vários países, na qual o presidente da República colocou em dúvida a credibilidade das urnas eletrônicas, impulsionou o movimento pró-sistema eleitoral, apesar da dificuldade em se costurar um consenso entre empresários de diferentes inclinações políticas. O atual manifesto é inspirado na Carta aos Brasileiros de 1977 – um texto de repúdio ao regime militar, redigido pelo jurista Goffredo Silva Telles, e lido também na faculdade do Largo de São Francisco.
O texto atual que ganhou adesão do empresariado não faz menção expressa ao presidente Jair Bolsonaro (PL), mas afirma que o País está “passando por um momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições”. Ao citar “desvarios autoritários” que puseram em risco a democracia dos Estados Unidos, a carta diz: “Lá, as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão”.
“Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral”, diz a carta. “No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.”
Adesões
Até o momento, foram 3 mil adesões ao documento. Os organizadores do manifesto esperam que essa aglutinação de importantes atores econômicos estimule que outras figuras representativas do empresariado brasileiro venha a se juntar ao movimento. Um dos articuladores da carta é o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior. Ele também é professor titular sênior de Direito Penal da USP.
Dois atos estão programados para serem realizados na manhã do dia 11, ambos na Faculdade de Direito. O primeiro, com empresariado e entidades da sociedade civil, deve ocorrer no Salão Nobre da instituição. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) está capitaneando o contato com entidades produtivas e empresariais que aceitem participar do evento. Organizações da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), também irão participar. O texto de divulgação para este encontro ainda está em elaboração, pois depende de um ajuste entre entidades em que o posicionamento político é sensível.
Já o segundo ato terá a leitura da carta, que será feita pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello. Além de Celso, outros ex-ministros da Corte assinaram o documento, como Sepúlveda Pertence, Carlos Ayres Britto, Carlos Velloso e Eros Grau. O ex-governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, e o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga estão entre os signatários, além de artistas, como Chico Buarque e a atriz Alessandra Negrini.
Entre advogados que já assinaram o manifesto estão Celso Antônio Bandeira de Mello, Alberto Toron, Pedro Serrano, Sérgio Renault e Pierpaolo Bottini. O Grupo Prerrogativas, que concentra advogados criminalistas e tem realizado eventos de apoio ao ex-presidente Lula, tem ajudado na construção das adesões à nova Carta aos Brasileiros.
A maior parte dos empresários está nos grupos dos “anti”, seja contra a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou Jair Bolsonaro (PR). Desta forma, havia um medo generalizado entre determinados executivos – especialmente os que tendem a apoiar Bolsonaro – que, ao assinar uma carta de apoio à democracia, estariam em direto assinando um atestado de apoio a Lula. Segundo essa fonte, existe uma “multiplicidade de posicionamentos” entre os empresários, mais ou menos como ocorre na população brasileira em geral.
Outros dois grupos bem definidos seriam os que têm o voto cristalizado em Lula ou Bolsonaro e a turma que quer, a todo custo, evitar a polarização. No entanto, a essa altura, o consenso de que uma terceira via venha a surgir é considerada bem improvável entre o setor produtivo.
Leia a íntegra da carta, divulgada pela Faculdade de Direito da USP:
Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito
Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos cursos jurídicos no país, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o Estado Democrático de Direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais. Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal. Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para o país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular. A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição: ” Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição “.
Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral. Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em um país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude. Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos. Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições. Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o Estado Democrático de Direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional. Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão. Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.
Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos às brasileiras e aos brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições. No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições. Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona: Estado Democrático de Direito Sempre!