Bancada que os CACs querem eleger no Congresso e nos Estados é formada por instrutores de tiro, donos de clubes, policiais e advogados
(Vinícius Valfré e Julia Affonso. no Estadão, 26/07/2022)
Os CACs (colecionadores de armas, atiradores e caçadores) se articulam para a partir de 2023 formar uma bancada no Congresso. Em todo o País, há 34 pré-candidaturas a deputado federal, senador e governador de nomes ligados à Associação Proarmas, a mais representativa da classe. Para os legislativos estaduais e distrital, há mais 23 nomes sendo preparados. Nos planos do maior grupo armado do País também está a criação de um partido político. É a primeira vez que esse agrupamento, que supera todas as polícias militares em quantidade de membros e em arsenal, se organiza nos estados e com o Palácio do Planalto para eleger representantes.
A entrada dos armamentistas oficialmente na política é incentivada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). O candidato à reeleição tem recebido lideranças e pré-candidatos do movimento no Planalto para vídeos e fotos manifestando apoio a esses aliados. A estratégia conflita com o que o núcleo da campanha tem se queixado: falta de interlocução de Bolsonaro com apoiadores de outros segmentos, como o meio empresarial.
Em vídeo publicado por Pollon no dia 6 de julho, três dias antes de uma grande manifestação dos CACs na Esplanada dos Ministérios, Bolsonaro acenou mais uma vez à classe. “A todos vocês CACs, um grande abraço, parabéns pelo momento, por essa oportunidade, pela iniciativa”, disse. “E parabéns também quem? Marcos Pollon. Parabéns, Marcos.”
O Estadão identificou 27 candidaturas à Câmara e ao Senado de armamentistas e políticos regionais que querem formar em Brasília a “bancada dos CACs”. Além desses, há outros nove políticos com mandato no Congresso que recebem oficialmente o apoio do Pró-Armas para disputas ao Senado a governos estaduais, com a condição de tratar a pauta armamentista com absoluta prioridade. Há ainda 23 candidatos às assembleias estaduais e distritais. Todos estão distribuídos por PL, PMN, Podemos, PP, PRTB, PSC, PTB, PTC e Republicanos, partidos que formam o Centrão.
A bancada que os CACs querem eleger no Congresso e nos Estados é formada por instrutores de tiro, donos de clubes, policiais e advogados.
Propostas
O principal alvo do grupo é a revogação completa da Lei 10.826/03, o Estatuto do Desarmamento. Há outras propostas em estágio avançado de tramitação, mas que ainda estão em debate, como o projeto 3723/2019, enviado por Bolsonaro. O texto regulamenta as atividades de atiradores esportivos, caçadores e colecionadores de armas e revoga um artigo do Estatuto que exige a venda de munições em embalagens com código de rastreio e de armas com dispositivo de segurança e de identificação gravado no corpo da arma.
A proposta foi aprovada com mudanças pela Câmara em novembro de 2019 e agora tramita no Senado. Em uma live na semana passada, Pollon citou dois textos alternativos de senadores e um terceiro que é “o nosso substitutivo”. “O 3723, por conta das eleições, ele está meio quieto. Evidente que se ele for pautado, eu tenho que ir lá cuidar”, disse o comandante do Proarmas, que não tem cargo público.
Nas Assembléias, além da facilitação do porte para CACs, a ideia é ampliar o acesso por meio do barateamento dos preços. No dia 9 de julho, durante encontro do Pró-Armas em Brasília, Eduardo Bolsonaro comemorou, no carro de som, a redução do ICMS para compra de armas em Alagoas. “Um gol de bicicleta”, afirmou. “Atenção, deputados estaduais, segunda-feira, missão: entrar com projeto de lei igual do Cabo Bebeto (PL-AL).”
Candidatos confidenciaram que o crescimento substancial no número de CACs sob Bolsonaro deu à pauta armamentista um potencial para atrair votos. O contingente de mais de 600 mil pessoas não leva em conta os familiares e amigos que também podem ser convencidos a votar nos candidatos do segmento.
“O momento deles é forte. A pauta pró-armas é defendida por centenas de milhares de pessoas, a maioria evangélicas. Eles me escolheram porque conhecem minhas pautas”, afirmou o vereador Devanir Ferreira (Republicanos-ES), que tentará uma vaga na Câmara, à reportagem.
As lojas de armas e os clubes de tiros são vistos pelos articuladores como importantes propagadores das candidaturas. Esses estabelecimentos também cresceram exponencialmente no governo Bolsonaro. Hoje, existem 2.066 clubes em todos os Estados. Alguns têm em seus nomes inspiração nacionalista: Patriotas do Brasil, Pátria Armada, Brasil Atividades de Tiro e Armas Brasil.
“Temos uma rede integrada de apoiadores. Temos representatividade em mais de 300 municípios, entre clubes de tiros, vereadores e lojas. Com o apoio do Proarmas, a gente consegue chegar a mais gente. A pauta não é só armamentista, mas a base é”, disse o Samurai Caçador (PRTB-SP) ao Estadão. Vereador de Monte Azul Paulista, ele vislumbra que o crescimento da pauta lhe renderá pela primeira vez uma cadeira na Assembleia.
A título de ilustração, o número de clubes de tiros no País é maior do que a quantidade de diretórios de dois jovens partidos com representação na Câmara: a Rede e o Novo, ambos deferidos pelo TSE em 2015. O Novo tem 29 e a Rede, 147, segundo dados da Corte Eleitoral. A quantidade de clubes e associações de tiros é quase semelhante ao número de diretórios do PL. A sigla pela qual o presidente Jair Bolsonaro vai concorrer ao Palácio do Planalto tem 2.250 unidades partidárias, das quais 99,2% são provisórias.
Embora os partidos não tenham mais de um diretório por cidade e os clubes não tenham essa restrição, a comparação mostra a velocidade com que as associações crescem no País. São Paulo é a cidade com maior quantidade de clubes, segundo os dados do Exército. São 53. A cidade é seguida por Brasília e Rio. Ambos com 32 clubes, cada.
Partido dos Cac’s
A organização presidida por Marcos Pollon nasceu em 2020 e já é a mais representativa do Brasil. Os próximos planos são ainda mais ambiciosos. “Quando batermos 1 milhão (de apoios), vamos criar um partido político. ‘Ah, por que 1 milhão?’ Porque estou sendo otimista. Estou trabalhando com índice de conversão de 50%”, disse em um entrevista, em fevereiro.
O interesse político de Pollon, anunciado somente após um encontro com Bolsonaro no Palácio do Planalto, contrasta com o perfil de atuação de Bené Barbosa, um outro líder armamentista no qual Pollon se inspirou para criar o seu movimento. Barbosa hoje se dedica a vender cursos de segurança pessoal e domiciliar, mas já foi a principal voz armamentista no Brasil. Ele usou a visibilidade para investir em seus negócios e não migrou para a política de representação. Procurado pelo Estadão para comentar o avanço dos CACs em Brasília, ele preferiu não se manifestar.
Na avaliação de especialistas, são grandes as chances de alguns CACs serem eleitos. O movimento, pautado “não é sobre armas, é sobre liberdade”, ganhou espaço no eleitorado conservador e evangélico. O lema costuma vir acompanhado pelo de “defesa da família” e dos “valores cristãos”. A pauta pró-armas pega carona no bolsonarismo. E vice-versa. Nas redes sociais, os candidatos usam temas como “voupraguerracombolsonaro”.
Contudo, a real força ainda precisará ser testada nas urnas. “É possível que essas pessoas votem em candidatos pró-armas, embora as pesquisas indiquem que maioria da população brasileira não acredita que com as pessoas se armando terão segurança. Mas tem o financiamento pelos clubes de tiro, o aumento do discurso de que significa liberdade. Aumentou a organização do grupo e o governo estabelecido apoia essa pauta. Tem movimento fortalecido, mas ainda não sabemos se vai garantir votos”, disse Carolina Ricardo.
Cac’s x Bancada da Bala
A tradicional “bancada da bala” da Câmara também defende o armamento, mas avança para temas como endurecimento de penas, tipificação de novos crimes e estruturação das polícias nos estados. A pauta apresentada pelos candidatos do movimento em geral é restrita ao armamentismo, ao apoio a Bolsonaro e ao antipetismo. Ela pega carona no bolsonarismo, e vice-versa. Nas redes sociais, os candidatos usam expressões como “voupraguerracombolsonaro”.
“Eles não tem uma agenda programática de segurança pública, não é uma agenda de pensamento no País. É uma agenda armamentista e que pega carona com o Bolsonaro para reduzir a esquerda. Dificilmente, se eleitos, trarão ganhos para a ‘bancada da bala’. Possivelmente, vai aderir à agenda tradicional”, opinou Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.
Os petistas já planejam mudanças na política de acesso a armas, caso ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seja eleito em outubro. O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) disse ao Estadão que a posição histórica do partido “é pelo controle (das armas) nos termos que estão no Estatuto do Desarmamento”.
O parlamentar é o responsável por planejar o tema da segurança pública no programa de governo de Lula. “Certamente, haverá uma reversão dessas medidas que relaxaram o controle de armas no Brasil. A ponto de vender fuzil para integrante do PCC”, disse.