Principal cabo eleitoral de Lula, Jair Bolsonaro está criando a frente ampla dos sonhos de seu maior adversário político. As adesões aos manifestos em defesa da democracia vêm de setores relevantes da economia, academia, entidades da sociedade civil, mundo cultural e várias correntes políticas. Mas seu significado é ainda mais abrangente do que a diversidade de seus signatários.
A conduta política de Bolsonaro ampliou a noção, sobretudo em setores de elites dirigentes, de que a questão não é de forma, mas de conteúdo. Talvez pela primeira vez desde que assumiu, o presidente é entendido em círculos mais amplos como grave ameaça às regras do jogo democrático, e não como um “espontâneo” que vocifera truculências.
A frase “Ele fala m…, mas não faz m…” parou de ser dita por muitos de seus apoiadores, dentro e fora de setores empresariais. Muito grave para quem tenta ressuscitar em setores de elite as esperanças de mudança tão evidentes na onda disruptiva de 2018, alastra-se nesse segmento a percepção de que não há horizontes em mais quatro anos “disso”.
Do ponto de vista da campanha de Lula, Bolsonaro é o principal fator de neutralização do antipetismo. Seus insistentes ataques às regras do jogo eleitoral livraram milhares que apoiaram os manifestos em defesa da democracia da preocupação de parecer inocentes úteis alimentando a candidatura de seu principal adversário.
Pior ainda: na cabeça de quem toma decisões a belicosidade de Bolsonaro está deixando de ser vista como “ímpeto” necessário para mudar as coisas, por mais raiva que se tenha do STF. Por contraste, surge como palatável a “capacidade de acomodação” de Lula – que foi, em primeiro lugar, a capacidade de acomodação dos interesses privados de todo tipo, à custa dos cofres públicos, em prol de um projeto político que desaguou em recessão, sobretudo moral.
Do ponto de vista da estratégia da reeleição, parecia suficiente a Bolsonaro explorar o “medo” da volta do PT. Ocorre que esse eixo do discurso eleitoral está se invertendo. Em outras palavras, o maior “medo” que se espalha hoje é o de que Bolsonaro continue, e não tanto o de que Lula volte.
Talvez a mobilização em torno dos manifestos sinalize uma forma de pensar e agir, sobretudo nas elites dirigentes, de apego a princípios e instituições como única maneira de iluminar os horizontes do País. E que “salvar a democracia”, por mais imediata que seja essa tarefa, não depende de apoiar determinado candidato. Depende de um projeto de nação – mas o colunista confessa que isto é apenas uma esperança.