Bolsonaro aproveitou a festa cívica para fazer descarada campanha eleitoral
Bolsonaro fez de tudo, exceto homenagear o Bicentenário. Aproveitou uma festa cívica para fazer descarada campanha eleitoral, usando recursos públicos e abusando de obscenidades
Era para ser um dia de grande festa cívica. O País comemorava o Bicentenário da Independência. Mas o presidente da República preferiu fazer campanha eleitoral, em uma lamentável confusão de âmbitos, com utilização político-partidária de recursos públicos e profusão de obscenidades. Jair Bolsonaro imprimiu ao 7 de Setembro o exato caráter de seu governo: uma administração que divide, envergonha e dá de ombros à lei e à moralidade.
Ontem, Jair Bolsonaro fez de tudo, exceto homenagear o Bicentenário. Não tem a mínima ideia do que significa ser chefe de Estado. No evento em Brasília, em dado momento, escanteou o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, para colocar a seu lado, em posição de destaque, Luciano Hang, bolsonarista de alta estirpe. Sem nenhum pudor, imperou o escárnio com a história do País.
Em vez de festa da Independência, o País assistiu ontem a atos de campanha de reeleição no mais genuíno estilo bolsonarista. Jair Bolsonaro não propôs nada nem se comprometeu com algum programa de governo. Fez grosseria pública, chegando a comparar sua mulher, Michelle, com a do ex-presidente Lula. Eis o nível daquele que diz defender a família brasileira. Entende-se bem por que é tão alta sua taxa de rejeição entre as mulheres. Jair Bolsonaro simplesmente provoca asco. Para que não houvesse dúvida do seu caráter, ainda puxou um indecoroso coro a respeito de sua alardeada virilidade. Em respeito ao leitor, não reproduziremos aqui o que disse o presidente, mas é o caso de perguntar: há limites para este senhor?
Tal é a sua desfaçatez que, no meio de obscenidades, Jair Bolsonaro ainda ousou recorrer ao discurso da “luta do bem contra o mal”, na manipuladora disjuntiva que só serve a quem não tem nada a apresentar ao País. Jair Bolsonaro encarna o bem? Ora, o verdadeiro bem não é mal-educado, não causa vergonha ao País e, nunca é demais lembrar, não manipula milhões em dinheiro vivo na compra de imóveis. O candidato que deseja se apresentar ao eleitor como o grande herói do combate à corrupção até agora não explicou a origem do dinheiro usado nos negócios imobiliários da família nem esclareceu as suspeitas de rachadinha que envolvem quase todo o clã Bolsonaro e seus agregados.
O mais triste do dia de ontem é que Jair Bolsonaro fez tudo isso e, a rigor, nada representou nenhuma novidade. Ele fez exatamente o que vem fazendo desde os tempos do Exército, quando ameaçava colocar bombas em quartéis e desrespeitava a farda e a hierarquia militares. Tanto é assim que, em um evento cívico da mais alta importância – a comemoração dos 200 anos da Independência do Brasil –, nem os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, tampouco o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, estiveram presentes. Eles certamente anteviram o papelão de Bolsonaro e não quiseram passar constrangimento. Evitaram endossar as atitudes e as falas de um presidente da República que dá insistentes mostras de que nada entendeu sobre o cargo que ocupa e suas responsabilidades.
É preciso advertir, no entanto, que ontem o presidente Bolsonaro não apenas desrespeitou a dignidade do cargo e a natureza da festa cívica – o que por si só é lamentável. Não foi um deslize de quem é indiferente à civilidade e aos bons modos. Jair Bolsonaro infringiu a lei, seja porque se valeu da estrutura pública de um evento cívico para fazer campanha eleitoral, seja porque tentou de todas as formas usar o prestígio das Forças Armadas em proveito político-partidário.
Não há dúvida – e assim registram as pesquisas de opinião que Jair Bolsonaro tanto desacredita – que uma parcela significativa da população o apoia. Em diversas cidades, muita gente foi às ruas manifestar sua adesão ao bolsonarismo. O fato, no entanto, é que, seja qual for o tamanho do apoio popular, nada autoriza a infração da lei. Jair Bolsonaro não pode valer-se do cargo e do dinheiro do contribuinte para fazer campanha eleitoral. Em respeito ao regime democrático e às liberdades políticas, há limites civilizatórios e legais. A escandalosa violação das leis eleitorais promovida por Bolsonaro demanda uma punição exemplar.