Profissionais do improviso

By | 27/09/2022 1:33 pm

Na gestão bolsonariana, governo e Congresso são especialistas em criar despesas populistas sem dizer de onde virá o dinheiro, e depois correm para inventar os meios para financiá-lo

(Editorial do Estadão, em 27/09/2022)

 

Só faltou planejar, mas isso está fora dos padrões atuais de Brasília. Primeiro se inventa a despesa, depois se procura o dinheiro ou se imagina uma fonte tributária. O Auxílio Brasil será mantido em R$ 600 no próximo ano, prometeu de novo o ministro da Economia, mas isso dependerá de uma nova tributação de lucros e dividendos. Disso dependerá também a correção da tabela do Imposto de Renda, compromisso eleitoral do presidente Jair Bolsonaro, empenhado há mais de três anos na busca da reeleição. O mesmo conceito de gestão pública predomina entre os congressistas. Senadores têm procurado, nos últimos dias, formas de custear o piso da enfermagem, estabelecido por lei e suspenso, por precaução, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Um grupo de parlamentares sugeriu o uso de verbas do orçamento secreto para cobrir esse gasto. Se isso ocorrer, um desmando orçamentário será usado para remediar um tropeço legislativo.

Sem planos, sem metas, sem programas e, a rigor, sem política econômica, o País se move como um ônibus desgovernado, sem rumo e sem segurança. Excetuada a ação federal nos primeiros meses da pandemia, o Brasil tem vivido sob o domínio da imprevidência e da improvisação. A redução e a posterior suspensão da ajuda emergencial, entre setembro de 2020 e abril de 2021, poderão ser citadas, durante décadas, como provas de um incrível desgoverno. Num país ainda assolado pela onda inicial da covid-19, o Orçamento para 2021 foi concebido sem verba para continuação das medidas anticrise.

Nada houve, no entanto, de excepcional nesse descuido. Imprudência, improvisação e desprezo às necessidades sociais, incluídas educação e saúde, seriam marcas da gestão bolsonariana até o fim do mandato. Nesse trajeto, o presidente Jair Bolsonaro teve a seu lado, é preciso reconhecer, ministros compatíveis com suas características políticas e administrativas, incluído o responsável pela área econômica.

Como seu chefe, o ministro da Economia, Paulo Guedes, emprega linguagem agressiva para disfarçar suas falhas e proclama realizações imaginárias. Acusa economistas do mercado, de instituições internacionais e do Banco Central do Brasil de errar nas projeções econômicas. Pode ter havido erros e correções, mas insignificantes diante do pífio desempenho econômico nestes quase quatro anos.

Se houve algum grande fracasso, foi de Bolsonaro e de Guedes. Se o País crescer perto de 3% neste ano, sua expansão média em quatro anos continuará inferior à média mundial, como indicou o Estadão no último domingo. Nos três anos anteriores, o Brasil ficou em 32.º lugar num ranking de crescimento de 50 países, segundo cálculos citados naquela edição.

“Nós mudamos a dinâmica de crescimento da economia brasileira”, disse o ministro, nesta semana, em entrevista à Rádio Guaíba. Por enquanto, a mudança mais evidente foi a redução do ritmo da atividade, num ambiente de alto desemprego e muito empobrecimento. Os R$ 900 bilhões de “investimentos contratados para os próximos dez anos”, por meio de concessões e privatizações, são por enquanto uma vaga promessa de um governo caracterizado, até agora, pelo emperramento econômico e pela escassa geração de potencial produtivo.

No segundo trimestre, o valor investido em capital fixo equivaleu a 18,7% do Produto Interno Bruto (PIB), praticamente a mesma proporção de um ano antes (18,6%). Em vários períodos, nos últimos 20 anos, a taxa igualou e até superou 20%.

Além disso, a gestão Bolsonaro nada fez de sério para deter a desindustrialização do País. “Somos cuidadosos com a indústria, queremos reindustrializar o País”, disse o ministro Guedes. O problema era evidente em 2019, mas agora o ministro fala em cuidar do assunto se o presidente for reeleito. Ele reivindica um segundo mandato para tarefas negligenciadas no primeiro. Também promete criar um fundo de erradicação da pobreza, como se renegasse duas das principais façanhas bolsonarianas, o empobrecimento de milhões e o restabelecimento da fome. Será uma transfiguração milagrosa?

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Category: Blog

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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