Bolsonaro flerta com adulteração do STF, que teria dificuldade em levar adiante
(Editorial da Folha, em 10/10/2022)
É difícil imaginar uma tese golpista que Jair Bolsonaro (PL) não esteja disposto a abraçar ou, no mínimo, a permitir que prospere. Assim se dá agora com o projeto para elevar o número de ministros do Supremo Tribunal Federal.
A proposta foi retirada do baú autoritário na esteira das vitórias de bolsonaristas e assemelhados nas disputas para o Legislativo. Um desses casos foi o do próprio vice-presidente da República, Hamilton Mourão (Republicanos), um general da reserva saudoso dos confortos da ditadura e eleito senador pelo Rio Grande do Sul.
Se Mourão defendeu sem pudores a adulteração da principal corte do país, Bolsonaro entrega-se a rodeios desde sexta-feira (7), quando despejou mais uma saraivada de ataques sobre os tribunais superiores. Naquele dia, disse que examinaria o tema após o segundo turno da corrida presidencial.
Na hipótese de reeleição, recordou, terá a oportunidade de ampliar de 2 para 4 seus indicados entre os 11 ministros do STF; pelo projeto aventado, haveria outras 5 novas indicações a fazer.
Trata-se de um roteiro conhecido e celebrizado no continente pelo caudilho venezuelano Hugo Chávez —precursor da ditadura à qual Bolsonaro sempre associa seus arquirrivais petistas.
Em vez das velhas quarteladas, o governante se aproveita de momentos de elevado apoio popular ou congressual para enfraquecer, passo a passo, os freios a suas vontades —Judiciário, imprensa, oposição. Mesmo formalmente mantidos, os ritos democráticos vão se tornando mera fachada.
Ainda que consiga uma virada no segundo turno e conquiste nas urnas um novo mandato, Bolsonaro teria óbvias dificuldades em levar adiante tal empreitada infame.
Uma reforma do STF depende de mudança constitucional, o que demanda apoio de 60% da Câmara dos Deputados e do Senado. Por fortalecido que esteja, o bolsonarismo autoritário não dispõe de tantos votos, nem a precária popularidade do líder parece capaz de mover os parlamentares.
A sociedade brasileira tem dado mostras consistentes de defesa dos valores democráticos, ainda que com críticas compreensíveis ao desempenho dos Poderes. As instituições, do mesmo modo, resistem a investidas do populismo.
O que não se tem, infelizmente, é um presidente que rechace de pronto qualquer proposta capaz de aviltar o regime que garante as liberdades e o respeito à lei.