O mundo político virou a chave

By | 04/11/2022 6:34 am

Bolsonaro grita e a caravana passa. Lideranças políticas se mobilizam para isolar espasmos golpistas e já se movimentam orientadas pela mudança do centro gravitacional do poder

 

(Editorial do Estadão, 04/11/2022)

 

Os irresignáveis à derrota do presidente Jair Bolsonaro podem continuar esperneando por tempo indeterminado. O próprio mandatário pode seguir lançando suspeitas sobre a lisura da eleição e estimulando à sua maneira a insurgência de seus camisas pardas. O fato é que Bolsonaro grita e a caravana passa. À luz do dia, o mundo político se mobiliza para isolar os últimos espasmos golpistas e já se movimenta orientado pela mudança do centro gravitacional do poder. Em Brasília, Bolsonaro representa o passado; o petista Luiz Inácio Lula da Silva, o futuro.

Evidentemente, ainda é muito cedo para saber como será o terceiro mandato de Lula como presidente da República. Há, no entanto, sinais de que a política, como a arte da negociação de interesses e prioridades por vezes conflitantes, pode ser resgatada depois desse longo inverno da antipolítica bolsonarista. Nos últimos quatro anos, Bolsonaro subverteu as regras mais comezinhas do diálogo institucional e republicano entre políticos e entre instituições, o que resultou em retrocessos sociais e econômicos de tal ordem que custaram a sua reeleição.

Traquejados negociadores políticos, como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, todos bolsonaristas empedernidos até pouquíssimos dias atrás, já abriram canais de diálogo com emissários do futuro governo. A nenhum desses atores políticos interessa a instabilidade gerada pelas birras golpistas de Bolsonaro.

Enquanto o presidente continua a considerar legítimas as manifestações dos delinquentes que demandam um golpe militar, Arthur Lira já trata com integrantes da equipe de Lula sobre o encaminhamento de medidas prometidas pelo petista durante a campanha. Ciro Nogueira, por sua vez, foi quem deu início oficial à transição de governo. Por fim, Valdemar Costa Neto pode até ter prometido pagar as contas de Bolsonaro – de olho, é claro, no robusto capital eleitoral do presidente –, mas é inimaginável ver o prócer do Centrão cerrando fileiras com a oposição ao petista a partir de janeiro. Gilberto Kassab, presidente do PSD, e Marcos Pereira, do Republicanos, são outras lideranças políticas experientes que dificilmente não comporão de alguma forma com a nova administração federal.

Lula tem plena consciência de que sua vitória não foi uma chancela da maioria dos eleitores à agenda do PT. O petista sabe que precisará negociar com todas essas forças políticas não ligadas ao bolsonarismo mais radical, no Congresso e fora dele, se quiser realizar um governo minimamente funcional. Nesse sentido, foi providencial a nomeação de Geraldo Alckmin, um vistoso não petista, como coordenador da equipe de transição de governo. Seria natural, até esperado, que algum “companheiro” petista ocupasse o posto. Mas, ao nomear Alckmin, Lula tenta sinalizar que fala sério quando diz que o futuro governo não será do PT – algo que ainda não é muito fácil de acreditar. Seja como for, a imagem de moderação e de boa articulação de Alckmin na transição é um claro contraste com os conflitos estimulados por Bolsonaro ao longo de todo o seu tenebroso mandato.

Manda a prudência que o País se abstenha de grandes expectativas sobre o próximo governo, sobretudo quando se recorda da má-fé de Lula, que, na sua primeira passagem pelo poder, desqualificou todos os governos anteriores e dividiu a sociedade em “nós” e “eles” – semente, aliás, do ressentimento que cevou o bolsonarismo. Mas é fato que, em seus primeiros passos, o time do petista indica que está sendo gestado um governo “normal” – o que seria um estrondoso avanço.

A eleição do petista Lula da Silva se descortina como uma volta à política dita tradicional, aqui entendida como a negociação de espaços de poder e agenda baseada em consensos mínimos. Que assim seja, pois são enormes os desafios sociais, fiscais e políticos que o governo que se avizinha terá de enfrentar. E só a boa política será capaz de oferecer a estabilidade que o País tanto precisa para superá-los.

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Category: Nacionais

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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