Após omissões de Aras, Lula fará bem se trabalhar por lista tríplice obrigatória
(Editorial da Folha, em 04/11/2022)
“Rescaldo indesejável, porém compreensível.” Foram essas as palavras empregadas por Augusto Aras para qualificar os bloqueios de rodovias que se seguiram à vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre Jair Bolsonaro (PL) na eleição encerrada no domingo (30).
O procurador-geral da República nem pode argumentar que lhe faltou tempo para escolher adjetivos melhores. Cobrado na terça (1º) por inúmeros membros do Ministério Público Federal, já na ocasião insatisfeitos com o silêncio do chefe, Aras resolveu se pronunciar na quinta (3), durante sessão do Supremo Tribunal Federal.
O procurador-geral da República tem o dever funcional de saber que a obstrução ilegal de vias públicas significa, na hipótese mais branda, uma infração de trânsito definida como gravíssima pela lei.
Em vez disso, o procurador-geral deu seguidas mostras de fidelidade à conveniência do presidente da República que o indicou, não por acaso, por duas vezes ao posto. Trata-se de lacuna irreparável neste final de governo Bolsonaro, mas cumpre agir para que a situação não se repita no futuro.
Note-se que nada houve de ilegal na condução de Aras ao comando do MPF. E é compreensível que isso tenha ocorrido: Bolsonaro, ciente de que não havia nenhuma restrição na lei, ignorou a lista tríplice de nomes elaborada pela Associação Nacional dos Procuradores da República e pinçou alguém que não fosse lhe criar incômodos.
A atitude de Bolsonaro não chega a surpreender. Para quem está no poder, ainda mais alguém longe de possuir uma visão de estadista, é grande a tentação de silenciar um órgão de investigação e controle.
Lula terá a oportunidade de encaminhar um importante aperfeiçoamento institucional, se não apenas escolher um nome da lista tríplice —como fez, aliás, em seus governos, inaugurando procedimento seguido por Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB)— mas também operar para que o Congresso torne o rito obrigatório.
Limita-se mais, dessa maneira, a possibilidade de escolha do presidente da República, que hoje já precisa da ratificação do Senado. Reforça-se a autonomia e a credibilidade do procurador-geral, tornando-o menos suscetível às pressões e interesses do Planalto.