Contragolpe | Lula abala ultradireita global

By | 09/11/2022 12:09 pm

Derrota de Bolsonaro rompe correia de transmissão do trumpismo

 

(Carla Jimenez, no Intercept Brasil, em 09/11/2022)

 

Se milhões de brasileiros sentiram calafrios no último dia 30 de outubro até a confirmação do resultado da eleição presidencial, o frio também percorreu a espinha de milhões de pessoas fora daqui. Em especial, nas nações democráticas em pé de guerra com forças de extrema direita. Nossa eleição foi seguida minuto a minuto nos gabinetes dos principais líderes globais, que estavam prontos para reconhecer a vitória de Lula, caso ela ocorresse. O papel do Brasil no jogo geopolítico era estratégico e havia um Jair Bolsonaro nos calcanhares do planeta.

Bolsonaro garantiu o reduto perfeito para a ultradireita num mundo traumatizado pelo furacão Donald Trump nos Estados Unidos. A estridência do presidente brasileiro manteve o barulho necessário para normalizar as causas conservadoras e reacionárias a partir de um país continental capaz de influir em outras nações.

Sua derrota nas urnas, porém, derrubou a correia de transmissão que o Brasil representava na engrenagem da extrema direita mundial. As eleições parlamentares nos Estados Unidos, que começaram nesta semana, podem trazer de volta a figura de Trump, potencial candidato à sucessão de Biden em 2024. Mas o silêncio de Bolsonaro diminui, sensivelmente, o eco trumpista.

Sob Jair Bolsonaro, a diplomacia brasileira tornou-se aliada das nações ultraconservadoras, que colocaram, por exemplo, direitos reprodutivos no limbo. O Brasil votou reiteradamente contra resoluções das Organizações das Nações Unidas que abordassem o direito ao aborto em casos extremos, assim como projetos de saúde sexual e reprodutiva que poderiam ajudar a banir práticas arcaicas, como a mutilação genital em países africanos. A cruzada conservadora, fermentada por Damares Alves, então ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, tirou o Itamaraty de suas posições históricas em defesa de mais direitos para as mulheres.

Com Lula na presidência, o Brasil deve retomar a tradição diplomática, alinhada ao consenso das nações mais desenvolvidas nesse campo.

Embora questionada por eleitores radicais de Bolsonaro aqui, a vitória do petista foi saudada e legitimada, inclusive, por líderes ultraconservadores de outros países, como a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni e a presidente da Hungria, Katalin Novák. Afinal de contas, sob Lula ou Bolsonaro, o Brasil detém investimentos de multinacionais que repassam seus lucros para os países de origem, independentemente da ideologia.

A aliança de extrema direita global estava bem azeitada até agora para ceifar direitos das mulheres, mas a conexão pela democracia entrou em campo um dia após a vitória de Lula, com os recursos que o mundo capitalista gosta. Alemanha e Noruega, por exemplo, anunciaram a retomada do investimento do Fundo Amazônia, paralisado desde 2019. Os compromissos de Lula com a floresta também foram apontados como fator de interesse de novos investidores internacionais no Brasil.

Enquanto isso, no intento de promover uma campanha de desconfiança sobre o processo eleitoral, o bolsonarismo recorre a alguns bufões estrangeiros que encampem suas teses. Do dia para a noite, o nome Fernando Cerimedo ganhou um espaço nos jornais brasileiros que jamais mereceu na Argentina, seu país de origem. Lá, é um nome sem relevância política, segundo fontes argentinas consultadas pela coluna – apesar de se apresentar como alguém que participou da campanha vitoriosa de Barack Obama em 2008 e 2012. Aqui no Brasil, onde a terra foi bem fertilizada para manipulações da extrema direita, o empresário virou alvo de atenções como o responsável pela live com acusações de fraude nas urnas eletrônicas, que seria comprovada, segundo ele, por um suposto dossiê apócrifo.

A live de Cerimedo foi derrubada no YouTube pelo Tribunal Superior Eleitoral, pois reproduzia mentiras para milhares de pessoas vulneráveis a qualquer informação que reforçasse suas teses conspiracionistas. O argentino, que se encontrou com o deputado Eduardo Bolsonaro na véspera do segundo turno, é dono da empresa Numen Publicidad y Sondeos.

Numa entrevista a um site local, Cerimedo contou abertamente trabalhar com trolls, que teriam sido, inclusive, utilizados na campanha de Bolsonaro em 2018, segundo ele. “Temos inteligência artificial e uma fazenda de trolls. Não dá para perceber que não é uma pessoa. Há contas [perfis] com 30 mil seguidores”, disse ele na conversa publicada três dias antes do segundo turno. De acordo com Cerimedo, o arsenal de trolls foi usado na campanha de 2018 para reverter a percepção negativa que havia de Bolsonaro entre a população LGBTQIA+. “Pelo WhatsApp, começamos a enviar milhares de mensagens de trolls dizendo: ‘Eu sou gay. Bolsonaro pode ser um nazi, mas a economia está bem e vamos viver mais seguros’. A partir dessa influência, parte da comunidade gay o apoiou”, relatou.

Apesar de se gabar da sua atuação por Bolsonaro, Cerimedo sonha mesmo é com um movimento de extrema direita em seu país. Porém, não tem o prestígio nem mesmo de Javier Milei, um político comparado a Bolsonaro na Argentina.

Eis a foto do bolsonarismo e da rede global dos ultraconservadores neste momento: a saída de Bolsonaro abala o movimento, mas ele está longe de sair de cena. A vitória dos republicanos nas eleições dos EUA esta semana, que podem alcançar a maioria na Câmara e no Senado, tem a chance de revigorar muitas batalhas reacionárias em breve. Um quadro que empurra os progressistas a dobrarem a aposta, aprendendo com os erros que fizeram o mundo estremecer até o dia 30. Se Bolsonaro vencesse a eleição naquele dia, a chance de fazer valer uma agenda mais inclusiva seria quase nula. Só que ele perdeu. É hora de avançar muitas casas nesse tabuleiro.

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Category: Nacionais

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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