Além da educação
(Editorial da Folha, em 08/11/2022)
O acesso à educação é desigual, assim como o ensino oferecido ou as condições de aprender. Faz meio século, sabe-se também que os anos e a qualidade do estudo são um determinante de disparidades salariais e sociais em geral.
Mais recentemente, nota-se que mesmo a igualdade de anos de instrução pode não nivelar os chamados retornos da educação, ou seja, os incrementos de renda devidos ao aumento da formação educacional. Pior, essa disparidade pode se prolongar por gerações.
No recém-publicado estudo “Um Índice de Iniquidade de Educação”, Guilherme Lichand e Maria Eduarda Perpétuo, da Universidade de Zurique, e Priscila Soares, da Universidade de São Paulo, mostram como o mesmo progresso educacional implica ganhos de rendimento do trabalho desiguais para diferentes grupos sociais.
Conclui-se que, desde 1980, os 10% de domicílios mais ricos ficaram com cerca de dois terços dos retornos da educação primária e secundária, em relação aos 50% mais pobres. Ademais, a iniquidade em geral tem crescido.
Essas diferenças históricas afetam novas gerações porque suas mães e seus pais não podem oferecer o mesmo nível de formação das elites em casa, por exemplo, ou até porque o insucesso relativo pode reduzir as aspirações de crianças e jovens dos grupos socialmente prejudicados.
Crianças que não fazem parte dos estratos mais abonados têm expectativas reduzidas também porque os integrantes da família são menos recompensados pelos esforços educacionais. Uma conclusão importante do estudo é que a iniquidade educacional pode crescer mesmo quando o acesso à educação se torna menos desigual.
Outros fatores podem influenciar o progresso socioeconômico: relações sociais privilegiadas, discriminação sistemática, habilidades socioemocionais diferenciadas ou herança patrimonial.
A tarefa de reduzir a presente desigualdade entre jovens e crianças é, portanto, acrescida da remoção do peso de diferenças históricas.
Trata-se de projeto essencial, na educação básica, especialmente, na de jovens e adultos e no mercado de trabalho. O fracasso de políticas públicas e a perpetuação de injustiças, afinal, enfraquecem a crença na democracia.