Atual governo parece ter esquecido que dívidas estaduais têm garantia da União e responsabilidade solidária do Executivo com entes federados. Caberá a Lula lidar com esse problema
O jornal Valor revelou que os Estados devem registrar uma perda nominal de R$ 25,1 bilhões em receitas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) neste ano. O cálculo, que considera a arrecadação apurada entre julho e outubro e projetada para novembro e dezembro, é o resultado de duas leis complementares aprovadas pela Câmara e pelo Senado neste ano. As mudanças, que impuseram um teto e alteraram a base de incidência do tributo, têm caráter definitivo sobre aquela que é a maior fonte de arrecadação dos governos regionais e que incide sobre combustíveis, energia, comunicações e transportes.
Mesmo ciente desses efeitos, o governo Jair Bolsonaro apostou na popularidade eleitoral proporcionada pela redução nos preços dos combustíveis e nas faturas de energia e telecomunicações e investiu na descredibilização do discurso dos governadores. Para vencer as poucas resistências, o governo se comprometeu a compensar os Estados com perdas acima de 5%, mas somente em 2023 e após comparar a arrecadação de todo o ano de 2022 à de 2021.
O Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) já havia estimado que o prejuízo alcançaria R$ 125 bilhões em 12 meses e, agora, instituições financeiras começam a respaldar as contas dos Estados. Como mostrou o Estadão, o Itaú estimou que os Estados terão de fazer um ajuste fiscal da ordem de R$ 70 bilhões para se adaptar às consequências das leis e manter as contas em dia. Se as receitas e despesas forem mantidas, os entes federativos deverão registrar um déficit de 0,7% na proporção do Produto Interno Bruto (PIB), após um provável superávit primário de 0,5% neste ano.
Não faz muito tempo que os Estados eram fonte de preocupação para o governo federal, o que mostra que o País nada aprendeu com os erros do passado. Do lado das receitas, situações atípicas e relacionadas à pandemia de covid-19 foram consideradas permanentes, entre elas o reforço das transferências da União, a proibição dos reajustes de salários de servidores e os efeitos da reabertura da economia e da inflação elevada. De caráter rígido e permanente, o custeio de despesas com saúde e educação pode ser fortemente comprometido, um aspecto que tem passado despercebido nas discussões dos necessários ajustes no Orçamento fictício de 2023 – sem contar o financiamento do piso nacional da enfermagem aprovado pelo Legislativo, uma discussão que chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) e que, tudo indica, deve se estender ao longo do governo Lula.
Estados que acabaram de aderir a regimes de recuperação fiscal depois de anos de negociações com o Executivo federal já indicam a necessidade de ajustes. No Rio Grande do Sul, a previsão é de um déficit de R$ 3,7 bilhões em 2023; Minas Gerais, que registrou em 2021 o primeiro superávit em nove anos, prevê um déficit de R$ 3,5 bilhões. Não são os únicos casos.
O beligerante governo Bolsonaro parece ter esquecido que as dívidas assumidas pelos Estados contam com garantia da União e optou por ignorar a responsabilidade solidária que tem com os entes federados, sobretudo em se tratando de direitos fundamentais assegurados pela Constituição, como saúde e educação. Envolto nas negociações da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, o governo eleito, por sua vez, muito em breve será lembrado da importância do resgate do pacto federativo em suas dimensões político-administrativas e, principalmente, fiscais.